quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Despida de carácter

A representação naturalista nas artes revela-se hoje como uma atitude muito pouco crítica e inventiva, nada consentânea com o nosso tempo; mas despida (pelada) de erudição, qualquer estilização plástica torna-se num mamarracho. Exemplos destes abundam hoje nas nossas rotundas, geralmente iniciativa de autarcas dinâmicos mas muito pouco cultos. (E sabemos bem as consequências da aliança entre o dinamismo e a ignorância). Custa a entender porque é que a beleza de uma árvore não pode, na maioria das vezes, "decorar a nudez" de uma rotunda em vez do irritante mamarracho escultórico. A Natureza apresenta, por si só, a beleza intrínseca de o ser (daí evocarmos amiúde o conceito de beleza natural). Em contrapartida, a estilização pode ser entendida como a incapacidade humana de igualar a Natureza, ou a tentativa de se sobrepor à sua ordem. No que toca ao design, Charles Eames referia mesmo, numa recomendável entrevista em 1972, que os estilos em design são mais o resultado de uma fragilidade humana do que um ideal.

O vinho Pelada Dão 2003, de Álvaro Castro, apresenta um rótulo atrevido, exótico... Mas mau. É atrevido porque conjuga a ambiguidade do nome da quinta com a nudez e porque a nudez é, ainda na nossa cultura, motivo de inquietação moral (Maria João de Almeida também o referiu numa crónica no seu portal). O rótulo é formalmente exótico porque pretende ser diferente ao repartir-se por três elementos, embora nada justifique essa complexidade. A expressão gráfica do título do vinho é débil, composto num tipo de letra digital que pretende imitar a caligrafia (nunca é a mesma coisa!) e na vertical, dificultando a leitura. A ilustração é artisticamente medíocre e desagradável: estilização de um corpo feminino executada por alguém que pensa que tem jeito. Braço e perna ligados, entrelaçados e unidos a uma bordadura através de um mau desenho manual/digital sem elegância, expressão e sentido anatómico. Tudo isto impresso num papel desajustado, canelado (em jeito de economato de prestígio), pouco recomendado para uma ilustração.

Por hoje se crer em demasia que todo o atrevimento, irreverência e exotismo se justificam, vemos surgir tão maus resultados de imagem de vinhos onde menos se esperaria. É o caso deste vinho de qualidade, oriundo de um produtor de grande prestígio e confiança. O rótulo Pelada Dão 2003, não estando à altura do seu vinho, em vez de o vestir com dignidade e, porque não, também, com sedução erótica, desnuda-o definitivamente. E um corpo assim, pelado, torna-se muito pouco atraente.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Letras "espremidas" - Nota breve II

O autor dos rótulos Quinta da Revolta, do produtor Veredas do Douro Sociedade Agrícola Lda, deveria saber que as letras não são uvas e, por isso, não se devem "espremer". Um tipo de letra, qualquer que ele seja, tem uma autoria e deu trabalho a desenhar, a conseguir a sua proporção, a sua identidade. Que outros, por desconhecimento do que isso representa, lhe destruam a matriz, a eficácia e a harmonia — condensando-o ou expandindo-o — é mau e é, quase sempre, um "crime" que não compensa. Se a justificação é a falta de espaço, existem, e aconselham-se, versões condensadas ou expandidas de origem, em vez do recurso a deformações grosseiras.

O tipo de letra Optima, usado no caso que se ilustra, é um dos desenhos de letra mais originais do reconhecido designer tipográfico alemão Hermann Zapf.  Executado nos anos 50, ainda hoje mantém um uso considerável e a preferência de muitos designers gráficos. Sujeito a várias imitações e derivações, este tipo humanístico não serifado (sem patilhas) possui, por isso mesmo, um estatuto de grande originalidade genética.

Casos como este demonstram uma grande falta de cultura, de rigor profissional e nenhum respeito pelo trabalho de um "colega". E vistos por este prisma, revolta!


sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Luxo e lixo visual - Nota breve I

A generalidade dos vinhos sul-africanos que nos chegam surpreende-nos quase sempre pelo seu design gráfico. Acima de tudo pela tipografia clássica bem composta, traduzida numa elegância, equilíbrio e rigor que ultrapassa os nossos melhores exemplares. Mas também pelo recurso ao preto e ao ouro, e à gravura, que marcam e definem claramente um território semântico. O vinho, mesmo o mais económico de uma qualquer região demarcada é, ainda, um produto de valor simbólico elevado. Assim, vinhos de preço acessível tornam-se preciosidades visuais. Sabemos o efeito que isso tem nos consumidores menos especializados e, consequentemente, nas vendas. É abusivo ou anacrónico? Não. Abusivo e anacrónico são vinhos caros ostentando rótulos de autêntico "lixo visual".

Os portugueses — sempre tão afoitos a espreitar o vizinho — ainda não conseguiram implementar uma imagem distinta nos seus vinhos. E nem serão necessárias estratégias de marketing ou estudos sociológicos para justificar a opção. Basta lembrar a frase do famoso carnavalesco brasileiro Joãosinho Trinta: "quem gosta de miséria é intelectual, pobre gosta de luxo."

domingo, 31 de outubro de 2010

"Rotulus" Brutalis

O vinho Brutalis 2005, das Caves Vidigal (Leiria), afirma-se ostensivamente como um vinho distinto. Uma ideia que nos agrada sobremaneira. Declara, no seu contra-rótulo, que é contra a globalização e massificação tipológica a que hoje vamos assistindo nos vinhos. De facto, o sentido comercial tem determinado o esbater das diferenças no actual panorama do vinho. É que vinhos para se beberem a todas as horas, e em quaisquer circunstâncias, tendem a ser vinhos com menor carácter. Sabemos que fazer dinheiro com a venda de vinho será semelhante a fazer dinheiro com a venda de um outro produto qualquer. E isso implica forçosamente estratégias de padronização e quantidade. Estratégias que vendem mas que serão contrárias à produção singular, que segue o terroir e as características regionais das castas, da cultura local e do clima.

O Brutalis, ao pretender ser um grito contra essa padronização, apresenta uma imagem que não ajuda. Ainda que lembre remotamente um manifesto — o que seria interessante e coerente —, as componentes gráfica, expressiva e técnica do seu rótulo são de má qualidade. Ausência de critério nas opções pelos diversos tipos de letra, nos seus pesos, na composição do texto (confusa e a preencher todo o espaço); terminando numa má impressão em papel duvidoso... Uma brutalidade (e não "brutal" de espanto, como se desejava), para usar o título do vinho.

Parece que os vinhos interessantes se vêem cada vez mais condenados a serem apenas vinhos simpáticos (à falta de outro adjectivo).  Tal como os rótulos. Fazem falta neste universo da massificação – vínica e gráfica – os gritos e os "manifestos". Mas apenas aqueles cujo conteúdo, propósito, rigor de discurso e de forma se assumam por inteiro e com coerência. Senão viram-se contra si mesmos e confundem-se com mais uma birra de menino irreverente, mal educado.



quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Galhofa tipográfica

Subsiste hoje, em Portugal, entre os jovens designers gráficos, uma febre pela tipografia que tarda em amainar... (Actualmente, chama-se tipografia ao estudo/saber e uso das letras. Não é mais a empresa que imprime os rótulos, as facturas ou os catálogos.) Esta área de conhecimento, que esteve arredada dos currículos académicos — mesmo os mais especializados — até à década de 70, afirmou-se pois tardiamente, tornou-se moda e encantou muitos designers. A ponto de os cegar. Pelo menos no que toca à visão das prioridades na comunicação escrita, isto é, sempre que a obsessão pela forma (desenho) das letras e sua composição (critérios de organização do texto) se sobrepõe ao conteúdo, à legibilidade e ao conforto visual do leitor. E, quantas vezes, ao próprio sentido da mensagem.

Temos referido com alguma insistência a má qualidade tipográfica dos rótulos e contra-rótulos dos vinhos portugueses. Mesmo os rótulos dos vinhos de qualidade e de preço elevado. E seria "tão fácil" seguir — no mínimo — critérios de rigor técnico quando não se conseguem atingir os da eloquência!... 

O rótulo do vinho Fraga da Galhofa, Douro 2007 Tinto (tal como o Branco e o Rosé), da Vinilourenço é, de facto, uma galhofa tipográfica. Representa o encantamento de que falávamos, traduzido na má expressão tipográfica. Alia uma miscelânea de corpos (tamanhos) de letras no título (quando a opção foi por um tipo clássico) à tentativa de figurar um galho de videira com parras e cacho de letras (!). Remete a informação que mais pode interessar ao consumidor para um formato legenda, na vertical, e em corpo menor. Resultado: rótulo pouco funcional, má ilustração, título anacrónico e desequilibrado e design global pouco sério. É que "galhofa" significa "brincadeira", "gracejo" ou "escárnio"... E se o nome da Fraga que dá título ao vinho já é "da Galhofa", será inapropriado acentuar o conceito. Um vinho sério e bem feito, como este, merecia um rótulo a condizer e não a imagem tipográfica que exibe.

Em jeito de conclusão, valerá a pena citar a máxima de um amigo: Letras são letras e conhaque é conhaque!




quarta-feira, 1 de setembro de 2010

O cuidado com as semelhanças

Depois de elogiarmos a imagem global "colheita tardia" M, da Herdade da Mingorra, recebemos alguns comentários apontando o facto da imagem parecer demasiado colada ao design de duas bebidas: um ponche sueco Blossa Glögg, e um whisky canadiano, Bull-a-Rook. Inspiração ou coincidência? Cópia declarada? Não cremos... Nada retiramos à crítica então feita. Reforçamos a ideia de que, ainda que sem os atributos de eloquência das embalagens em causa — e que aqui se mostram —, a imagem do vinho M distingue-se dos demais vinhos da Herdade e da maioria da produção nacional concorrente. Pela elegância do seu grafismo, contemporaneidade e, acima de tudo, pela adequação do design, continua a merecer o nosso elogio.

A cópia ou o plágio, a inspiração ou a citação, muitas vezes a simples semelhança ou coincidência, têm sido alimento de longas conversas e polémicas — e de invejas e frustrações —, principalmente entre designers mal formados. Sabemos que é o sentido ético de cada designer que determina os procedimentos correctos num projecto. Mas isso nem sempre chega. Para se evitar dissabores, é de todo conveniente possuir uma vasta cultura e um conhecimento actualizado do "estado da arte".


Quantos clientes não nos abordaram já, dizendo que pretendem uma solução de design igual à que viram na revista x ou no concorrente y?! Seja por desconhecimento do que isso implica, ingenuidade, atrevimento ou mesmo pura pilhagem, competirá pois ao designer exercer o seu papel profissional, ético e pedagógico. Mesmo correndo o risco de perder um cliente para sempre.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

O design do cliente

Um designer competente, ou um gabinete de design, não deve fazer o que o cliente quer mas antes projectar aquilo que o cliente ainda não sabe que quer. Só assim a disciplina e a prática do design se justificam. Só assim as competências e o diálogo se podem assumir por inteiro. E só assim, também, o designer prestará o melhor serviço. Um cliente convencido que sabe sempre o que quer — mesmo em áreas em que pouco sabe ou nada aprendeu — só precisa de um técnico que execute; não precisa de contratar um designer. 

Henrique Uva/Herdade da Mingorra apresenta uma imagem interessante no seu vinho M, colheita tardia ou "late harvest". A singularidade da garrafa, afastando-se dos tradicionais modelos estreitos, neste tipo de vinho (de sobremesa ou aperitivo); a delicadeza do nome e do grafismo (questionamos apenas a opção pelo tipo de letra moderno, um tanto amaneirado); a impressão a ouro, à semelhança da cor do vinho; a gargantilha distinta a condizer; a limpeza de informação no rótulo, remetendo-a para os bastidores do contra-rótulo (aqui menos conseguido): fazem do todo uma combinação harmoniosa de coerência, carácter e elegância e, para muitos, será certamente um bom exemplo de originalidade...

Entretanto pode ler-se no blogue da empresa responsável pelo seu design: "O Rótulo Late Harvest (colheita tardia) da Mingorra foi desenvolvido com a grande cumplicidade de Isabel Uva que de uma forma apaixonada defendeu a sua ideia até à conclusão do projecto e no fim, apenas lhe podemos dar os parabéns pela sua visão". Na sequência destas palavras dir-se-á que o primeiro parágrafo deste post perde o seu sentido. Contudo, consultado o portefólio de rótulos desenhados pela "agência de design e comunicação" em causa, constatámos que todos eles evidenciam a falta de carácter e de eloquência que caracteriza a produção nacional, nomeadamente quanto ao uso da tipografia, elemento principal na comunicação de rótulos. Desconhecendo o processo metodológico do projecto, só podemos afirmar que a troca de papéis acabou por funcionar.

Não é um diploma em design que faz um bom profissional de imagem de vinhos. Nem uma carteira de clientes mais ou menos famosos, nem 
um portefólio vasto garantem eloquência. Designers especializados, irrepreensíveis — como em todas as profissões  não abundam.



sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Imagem caseira

"Quando o envolvimento no que fazemos se sobrepõe ao propósito e às suas exigências, tende a tolher-nos e a tornar a nossa comunicação uma auto-expressão que poderá interessar muito aos nossos netos mas certamente pouco a quem servimos e menos à cultura em geral." Escrevemos em tempos estas palavras a propósito dos rótulos dos vinhos Cortes de Cima, criticando as ilustrações amadoras e o design insípido que exibem.

Os rótulos dos vinhos da Herdade da Malhadinha Nova, na mesma linha da empresa Cortes de Cima, vão mais longe ao exibirem desenhos das crianças da família. Desenhos semelhantes aos que todos nós, os que temos filhos pequenos, afixamos no escritório ou na porta do frigorífico lá de casa. Correspondem, como a generalidade dos desenhos infantis, a um discurso gráfico estereotipado. São uma forma das crianças comunicarem. Valem porque são feitos pela Alice, pelo João ou pela Francisca e não pelas suas qualidades artísticas. Aos pais enchem de orgulho mas para os outros serão um aborrecimento. Por isso devemos ter o bom senso de sermos contidos ao mostrá-los aos amigos. 
Os vinhos Malhadinha, Monte da Peceguina, Antão Vaz, Aragonês da Peceguina e Marias da Malhadinha são bem feitos. Afirmam-no outros mais entendidos do que nós. No que ao design de imagem diz respeito, são um equívoco. Entre o profissionalismo e o apego familiar paira uma espécie de fronteira mal definida. O que salta à vista nos rótulos é mesmo a combinação estranha das "imagens de infantário" com a tipografia utilizada (clássica — Trajan — nos títulos e moderna em caixa baixa — Univers — no resto da informação, no Monte da Peceguina, por exemplo). De pouco servirá o verniz Braille e o cuidado na impressão. Vinhos de preço considerável e de qualidade elogiada (sem dúvida o atributo mais importante!) mereciam um trabalho erudito a todos os níveis.

Depois da visita à bela Herdade da Malhadinha Nova, e na sequência de um excelente almoço degustação acompanhado pelos não menos excelentes vinhos da casa, não deixámos de nos interrogar, no regresso, como seriam a gastronomia e a enologia da herdade se fossem entregues aos palpites das crianças da família. Parece um exagero mas é uma analogia legítima que qualquer especialista em design de comunicação faria.

O design visual é hoje, cada vez mais, uma exigência que se impõe a toda a comunicação. Não deve ficar preso a estratégias emocionais, personalizadas, principalmente quando o cliente paga, a concorrência é muita e o léxico expressivo vasto, complexo, e exige saber na sua articulação.



segunda-feira, 14 de junho de 2010

Branca de Almeida/Bela Silva

A imagem do vinho Branca de Almeida Tinto 2004, da Herdade dos Coelheiros, merece um elogio. O seu rótulo apresenta, em diálogo coerente e de bom gosto, informação e poética. Impresso num papel de qualidade e a ouro — adequados a um vinho de preço considerável —, nele se combina a imagem pictórica da artista Bela Silva com a informação bem desenhada (composição clássica do texto, em triângulo, encimada pela elegante marca tipográfica da casa produtora). A reprodução, em estilo art déco, mostra uma cena (aparente) de caça, em tons avermelhados. Remete para a pintura alegórica, pelo seu carácter simbólico, propondo uma leitura aberta: duas figuras femininas conversam montadas num cavalo com cabeça de cão, alheadas dos cães e gamos que as rodeiam.

Merece, também, nota positiva a caixa que acompanha a garrafa. Embalagem global que constitui uma bela oferta ao mesmo tempo que dignifica o investimento no vinho.

O único senão prende-se com o chamado contra-rótulo: não se entende a opção pelo tipo Kabel para o texto descritivo. A relação entre o estilo da pintura e do tipo de letra — art déco — não se justifica para um texto informativo tão extenso. A sua composição não acompanha a qualidade do rótulo, apresenta aberturas (pela coluna de texto justificada e sem hifenização), e uma relação corpo/entrelinha negligente. A corrigir numa próxima edição.

Depois da crítica negativa aos rótulos que reproduzem imagens de artistas com design insípido ou descaracterizado, a imagem do vinho Branca de Almeida vem provar que as artes plásticas (pintura, desenho) ou a ilustração podem potenciar o carácter, a comunicação e o valor de um vinho desde que os requisitos de design global sejam assegurados.




terça-feira, 25 de maio de 2010

A sabedoria do tempo — o vinho e o design

O vinho é uma substância que comporta a sabedoria do envelhecimento e se enobrece com ela. Com auxílio do tempo, a uva amadurece, a fermentação conclui-se e as substâncias que compõem o vinho amaciam-se, adquirindo formas e características novas, únicas, nobres. Foi mais ou menos com estas palavras que o filósofo e ensaista francês Gaston Bachelard relacionou o tempo com o vinho. Palavras que poderiam também reportar-se ao design. Embora a ideia que se generalizou tenha sido a de que o design se alimenta da moda, da efemeridade e da substituição, a verdade é que o bom design, quando comporta a sabedoria do tempo, enobrece-se, tende a ser duradouro e propiciar novas leituras e usos. O mau design comporta-se geralmente em sentido contrário. Descaracteriza-se, cansa e não resiste a novos contextos. É curioso constatar como um sofá "Corbusier" desenhado nos anos 20 resiste mais no corredor de um centro comercial do que o próprio símbolo/logótipo da empresa sua proprietária (falamos da Sonae, neste caso).

Uma imagem bem desenhada, para um vinho que a mereça, deveria resistir ao tempo. Não será pois de estranhar que abundem — e se mantenham — os exemplos clássicos de casas francesas. Ou os exemplos intemporais das garrafas de Porto, serigrafadas ou em "stencil". A novidade nunca será, em absoluto, sinónimo de qualidade.



quarta-feira, 5 de maio de 2010

Rótulos de artistas (2)

Quando no artigo anterior afirmámos que o design do rótulo Pequeno Pintor 2006 é muito mau, nomeadamente quanto ao seu texto manuscrito — de mau desenho —, referiamo-nos ao exemplar que se mostra. As letras, tipográficas ou caligráficas, exigem saber e habilidade… A merecer urgentemente uma mudança.


domingo, 2 de maio de 2010

Rótulos de artistas

Um artista, hoje, encontra normalmente a solução para a sua actividade quando se encanta com um problema. Um designer, pelo contrário, ao partir de um problema, encanta-se com a solução para o resolver. Assim se entende, de uma forma muito singela, a diferença entre arte e design. Ambas as disciplinas recorrem a elementos discursivos, meios e técnicas semelhantes mas é no objectivo que perseguem que se encontra a grande diferença. O objectivo funcional, de enfatizar a importância do programa, da informação e da leitura em detrimento do autor, da expressão e da interpretação faz toda a diferença. E define o design como uma arte assumidamente aplicada. Um rótulo, ou uma imagem global de um vinho, terá que obedecer sempre a um programa bem definido: que tipo de vinho?, que região?, que terroir?, que características (orgânicas, técnicas e simbólicas)?, que implicações normativas?, que consumidores?, que nome?, que pretensões tem quem o trabalha?, etc.  São questões como estas que determinam um programa e que requerem, para a sua equação e resposta, uma prática analítica, metódica e projectual exigente. Que obriga a conhecimento específico, nomeadamente de design gráfico e tipografia (maior mal dos rótulos portugueses) para lá da iconografia, das técnicas de impressão, de uma cultura própria, etc. Além de uma disposição natural para lidar com constrangimentos e dialogar com clientes. A tudo isto um artista responde normalmente com dificuldade. Não está na natureza do seu trabalho.


Os rótulos da marca Monte do Pintor da Sociedade Agrícola da Sossega, Lda são pobres visual e funcionalmente: Escultor, Monte do Pintor Reserva, Monte do Pintor e Pequeno Pintor. A qualidade do seu design fica muito aquém da excelência do seu vinho: iconografia insípida (esboço de sobreiros, demasiado primário); texto manuscrito de mau desenho (no rótulo "Pequeno Pintor 2006" é mesmo muito mau); tipografia do chamado contra-rótulo pouco exigente. Resultado: carácter, expressão e impacto visual mudos. Contudo, a empresa exprime com algum entusiasmo no seu site (de design igualmente débil) que os rótulos "são de autoria do Escultor Português João Cutileiro"! Não questionamos o reconhecimento e importância do artista na história da arte portuguesa do séc. XX — nomeadamente na renovação da escultura e até da estatuária portuguesa nas décadas de 60 e 70 —, mas pomos em causa o valor/resultado da sua contribuição. Percebemos as ligações apetecíveis entre o vinho e o prestígio do artista, o Alentejo comum, e outras que porventura desconhecemos; mas nada justifica a má solução apresentada.


Num bom design, todas as ampliações de sentido podem acontecer depois de cumpridas as exigências do seu programa básico. Programa esse determinado sempre pelo objectivo, independente da maior ou menor disposição que cada autor tem para lidar com os constrangimentos inerentes.




terça-feira, 20 de abril de 2010

Artistas e rótulos

Nenhum rótulo de vinho ganha eficácia ou eloquência por inserir, chapado, o "cromo" de um artista famoso. A reprodução de obras de artistas célebres tem sido, ao longo dos tempos, uma tendência de algumas casas/marcas de vinhos como recurso e estratégia visual. São sobejamente conhecidos os rótulos da casa Château Mouton Rothschild que, desde 1946, reproduzem obras de Dalí, Miró, Chagall, Kandinsky, Picasso, Andy Warhol... Em Portugal, obras de Cargaleiro, Resende, Pomar, Siza Vieira, José de Guimarães, Cabrita Reis, etc., têm aparecido nos últimos anos estampadas em rótulos de várias casas produtoras. Tentativa de prestigiar o vinho através das Belas-Artes (as ditas nobres), reconhecemos contudo que, na maioria das vezes, a qualidade comunicativa desses rótulos não apresenta qualquer valor acrescido para além da estampa mais ou menos famosa que exibem. É estritamente sobre os planos simbólico (do prestígio do autor) e decorativo (do valor plástico) que estas imagens actuam. Design e arte apresentam assim, normalmente, dois discursos paralelos — que não se encontram. Ainda que o discurso gráfico-plástico de cada artista seja notoriamente distinto ou eloquente, o resultado global pode ver anulada essa característica quando o design do rótulo se revela insípido ou mesmo mau. 

Defendemos a ideia que o melhor design (em qualquer artefacto ou mensagem) é aquele que nos permite estabelecer o maior número de ligações de sentido. Se se pretende ancorar a expressão e o prestígio de um determinado artista ao vinho ou à empresa, a solução terá de passar por um projecto coordenado por um designer competente. Um rótulo é sempre um dispositivo de design visual. Texto, imagem e vinho — ou design, arte e vinho — sendo bem distintos, podem conviver em perfeita sintonia desde que se compreendam e não se atropelem. Todos ganham se as ligações forem perfeitas.



sexta-feira, 2 de abril de 2010

Hans Christian Andersen

Comemora-se hoje o 205º aniversário de Hans Christian Andersen, considerado o maior escritor de literatura para crianças. E, por causa dele, assinala-se nesta data o Dia Mundial do Livro Infantil. Ainda que muitos digam que não há literatura para crianças — há apenas literatura — , o que é certo é que o destinatário determina um conjunto de decisões e formalidades que acabam por a caracterizar como género.

Pouca relação encontraremos entre livros para crianças e Hans Christian Andersen e a imagem do vinho em Portugal. A sua inclusão neste blogue poderá até parecer despropositada. A cultura espalha-se cada vez mais, contaminando todas as áreas, revelando-se hoje mais pelo seu carácter horizontal do que vertical. Acontece que a empresa Cortes de Cima em boa hora dedicou ao escritor dinamarquês um vinho seu. Trata-se do Homenagem a Hans Christian Andersen, um monocasta Syrah comercializado a partir das vindimas de 2003, 2004 e 2007. (Não é estranho o facto desta empresa familiar ser de dinamarqueses). Pena que, a exemplo do que acontece com a generalidade dos rótulos Cortes de Cima, a sua imagem não acompanhe a qualidade dos seus vinhos. Sem serem desprestigiantes nem funcionalmente maus, o design e ilustração dos rótulos são demasiado insípidos e sem grande carácter. Refugiando-se em ilustrações pouco interessantes (quer semântica quer de expressão artística), no texto justificado e composto repetidamente no tipo Rotis, pouco neles poderemos valorizar. Design singelo e de baixo custo, quase amador ou caseiro, poderia considerar-se uma virtude se o propósito não fosse "comunicar" vinhos com qualidade, de preço e expansão comercial consideráveis.

Quando o envolvimento no que fazemos se sobrepõe ao propósito e às suas exigências, tende a tolher-nos e a tornar a nossa comunicação uma auto-expressão que poderá interessar muito aos nossos netos mas certamente pouco a quem servimos e menos à cultura em geral. Propomos por isso, hoje, evocar a obra, talento e universalidade do dinamarquês Hans Christian Andersen ao mesmo tempo que fazemos votos para que Cortes de Cima nivele a qualidade do seu design pela qualidade dos seus vinhos.

segunda-feira, 29 de março de 2010

Ervamoira em retrato

Visitar a Quinta da Ervamoira da Ramos Pinto é uma experiência única. O lugar inóspito e a dificuldade do acesso a partir de Muxagata, intensificam o deslumbre da chegada: um cenário fantástico que se revela ao dobrarmos o cume do monte. Toda a envolvente das vinhas, vestidas nos tons da época, fazem da experiência motivo suficiente para se regressar. A simpatia e a entrega da Sónia — que nos vai buscar, faz de guia da visita, serve à mesa e dirige as provas — torna o dia certamente inesquecível. Foi com ela também, enquanto motorista e cicerone, que visitámos as gravuras do Côa, ali bem perto. Gravuras a quem se deve a continuidade da quinta. A casa, de arquitectura despojada, restaurada com materiais tradicionais, é agradável e não compromete, ganhando maior expressão nas modernas instalações do piso térreo — o pequeno museu, galeria e loja — e no alpendre. O museu conta a história do lugar primitivo, do empreendimento da plantação da vinha e da casa Adriano Ramos Pinto desde o seu fundador até aos actuais proprietários (grupo francês ligado ao champanhe).

É reconhecido o pioneirismo de Adriano Ramos-Pinto em Portugal, na implementação de uma estratégia promocional para os seus vinhos, nomeadamente pela importância que atribuiu a uma imagem global de qualidade. Contratou autores estrangeiros de relevo para a execução dos seus cartazes, como Cappiello (o mais famoso dos cartazistas europeus, nos anos 10, segundo José Augusto-França), Metlicovitz e Rossotti. Em continuidade, embora já sem o carácter inovador de outros tempos, o actual design visual dos vinhos Ramos Pinto é cuidado. Alguns exemplos merecem mesmo nota de realce como o renovado Duas Quintas Reserva. O seu rótulo apresenta uma imagem fotográfica, a preto e branco, da bela Quinta de Ervamoira (que juntamente com a Quinta dos Bons Ares dá origem a este nome/vinho). Recurso pouco habitual em rótulos de vinho — sem nada que o justifique —, a fotografia regista e é o documento por excelência. Quando a preto e branco, ainda mais se reforça esse carácter documental, de pormenor denotativo, sem perder as suas qualidades expressivas. Imagem de grande qualidade e beleza que, combinada com a tipografia clássica, a preto e ouro, de apurado rigor formal e técnico (tanto no rótulo como no contra-rótulo), dão sequência ao profissionalismo imposto por Adriano Ramos-Pinto nas primeiras décadas do século XX.

Enquanto muitas das imagens artísticas (ou pseudo-artísticas) nos rótulos contemporâneos de vinhos nos desviam ou lhes retiram significado, a imagem da Quinta da Ervamoira no Duas Quintas Reserva tem a virtude de ser clara e de nos remeter para uma convergência de sentido. É por ela que o valor do lugar se venera porque, como afirmava Susan Sontag, "fotografar é atribuir importância".



terça-feira, 9 de março de 2010

O belo, o bom e o útil — Esporão Monocastas

Giambattista Bodoni, tipógrafo italiano do séc. XVIII, no seu Manuale Tipografico (Parma, 1818) referia o belo, o bom e o útil como atributos para a excelência na comunicação tipográfica. Adaptados aos dias de hoje, e no que concerne ao design, esses conceitos mantêm-se actuais. Os dispositivos gráficos (livros, cartazes, sites, rótulos, etc.) existem essencialmente para levar informação a quem dela necessita ou recorra — serem úteis. Quando expõem a informação com rigor formal e conceptual, sem ruídos, significa serem bons. Ao apresentarem a informação de modo a que toque a nossa sensibilidade e crie apetência, significa serem belos... No entanto sabemos que organizar muitos conteúdos informativos de forma clara, harmoniosa, e obter com o resultado valor expressivo, não é tarefa fácil. É quase sempre um desafio que põe à prova as competências dos designers.

A Herdade do Esporão tem vindo a renovar a imagem gráfica dos seus vinhos com critérios de excelência. Temos acompanhado de perto essa mudança e razões houve já para dela se falar aqui... Analisamos agora o conjunto dos novos Esporão Monocastas (Aragonês, Alicante Buschet e Touriga Nacional), vinhos alentejanos de qualidade reconhecida e preço considerável. Trata-se de uma mudança radical, mais do que necessária, num produto que o exigia. A nova imagem dos Monocastas assenta em três vectores fundamentais: informação textual exaustiva, informação iconográfica contida e ausência de elementos decorativos. A opção espartana da iconografia (parra das castas e mapa de localização de Portugal) parece esconder o cuidado apurado do design global. Mas uma atenção redobrada revela-nos o sentido expressivo dos pormenores. A utilização de relevo e verniz reforça esse sentido. A cor segue o mesmo critério de sobriedade. Cada vinho/casta é caracterizado por tons escuros, sofisticados e elegantes — cinza, azul plúmbeo e castanho — no logótipo, nos títulos do texto e sobretudo na gargantilha (atendendo à difícil execução técnica do nome na vertical, dispensava-se aqui a sua inclusão). É o texto (tipografia) que, contudo, domina a imagem da garrafa. Começando pelas iniciais, que se impõem pelo seu corpo, espessura e elegância geométrica de desenho. Estendendo-se depois por colunas harmoniosas e funcionais, bem compostas no mesmo tipo moderno, e impressas num papel cru, texturado, de formato considerável. Falam, de forma técnica e rigorosa — e sem os exageros apologéticos tão típicos em casos semelhantes — da vindima, da casta, do terroir... Como se de um jornal aberto se tratasse. Não cansam nem têm que ser lidas em sequência. O resultado é o da beleza da simplicidade funcional. Design que afirma e prestigia a relação entre a exigência do conteúdo e do contentor.

Ao evocarmos Bodoni, o Belo, o Bom e o Útil, relevamos a importância das funções num projecto de design. Ao mesmo tempo que reconhecemos que a beleza não tem que estar na decoração mas na própria funcionalidade. Sempre que utilidade, qualidade e beleza se fundem, emerge o melhor significado do design.



domingo, 28 de fevereiro de 2010

Grão Vasco Dão, duriense e alentejano

Al Ries, especialista americano de marketing e publicidade — conhecido como "guru das marcas" e autor do livro "A Origem das Marcas"—, dizia em entrevista à TSF que uma marca, para vingar, terá que remeter o mais possível para o mesmo conceito ou função. É pela convergência, como refere, que o consumidor reconhecerá a dimensão máxima de uma marca até ao extremo de chegar a confundir o conceito/produto genérico com o próprio nome/marca. Os exemplos Coca-Cola, Gilette, Kispo ou Bic são sintomáticos para percebermos a sua ideia.

Quando associamos o nome Grão Vasco ao vinho, o Dão impõe-se. Por razões óbvias mas, como também referiu Al Ries, porque o Grão Vasco Dão foi o primeiro a conquistar a mente dos consumidores. E já lá vão algumas décadas. Claro que o próprio pintor renascentista português (e não medieval como se diz no site, exuberantemente animado, de apoio ao vinho Grão Vasco) terá vivido e trabalhado por aquelas bandas. O museu com o seu nome e com a sua obra mais significativa — e que se aconselha visitar, depois da intervenção do arquitecto Souto Moura — também está situado em Viseu. Tudo isto são ligações que não podemos evitar. Desconhecemos se a estratégia comercial da Sogrape, ao associar o nome Grão Vasco a vinhos de outras regiões, tem êxito. Desconhecemos também os pressupostos que a determinaram. Nem compete a este espaço essa análise, mas a pergunta é legítima em termos de comunicação. Habituados que estávamos ao Grão Vasco como Dão, teremos agora, e contrariando a teoria de Al Ries, capacidade de mudar facilmente a nossa mente e aderir a um Grão Vasco duriense ou alentejano? 

Claro que o propósito que determinou este artigo não foi o marketing mas o design visual da trilogia dos tintos Grão Vasco (a exemplo do que fizemos com os Borges Quintas). A nova imagem do conjunto é graficamente cuidada e, sem ser brilhante, reconhecemos nela o devido profissionalismo, como vem sendo habitual na Sogrape. Constatamos contudo que, para vinhos com características tão distintas, a solução de design gráfico é muito questionável. Serão poucos os que não hesitarão ao tirar da prateleira o Grão Vasco pretendido. A tipologia de garrafa, seguindo o compromisso borgonhês do Dão, também ajuda ao equívoco, a par da mesma organização formal dos rótulos e da sua tipografia. Enquanto elementos distintivos, reconhecemos apenas: a cor na gargantilha e correspondente banda cromática no rótulo (onde se insere o nome da região); o pormenor iconográfico da pintura de Vasco Fernandes (imagens muito próximas) e o texto descritivo das castas em corpo pequeno. Demasiadas subtilezas para o consumidor menos atento diferenciar. Ou será que a confusão é propositada? 


Unir o que é de unir e separar o que deve ser separado é uma regra básica em comunicação visual. Apanhar a boleia do êxito nem sempre significa uma boa opção. Principalmente quando na mesma carruagem viajam personalidades vincadamente distintas. Quase sempre tendem a confundir-se e, por consequência, a esbater-se.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Crítica cega ao design Borges Quintas

Um rótulo de um vinho não tem que contar uma história nem tem que recorrer sempre a elementos narrativos e simbólicos. A sua função principal é identificar e distinguir, e só depois caracterizar. Para cumprir estes propósitos, a cor, enquanto elemento comunicativo, pode ser uma opção inteligente.

A qualidade da nova imagem dos vinhos Borges Quintas (Verde, Douro e Dão) merece ser reconhecida. Principalmente porque, perante o programa difícil, a solução de design é eficaz. ("Programa" é, quanto a nós, o melhor termo português para substituir o badalado "briefing"). A proposta de unificar e diversificar em simultâneo não é fácil, isto é, através de argumentos de design gráfico, uma mesma marca/nome comunicar produtos tão distintos como vinhos Verde (branco), Douro e Dão (tintos). Assim, o elemento central da estratégia de design foi a cor. Ainda que a tipologia de garrafas ajude nessa caracterização (o Dão impõe a garrafa borgonhesa), as cores expressivas dos rótulos trouxeram uma forte distinção — identidade — e alguma caracterização e simbolismo. A solução do verde (mais frio), do amarelo (mais quente e intenso) e do rosa (quente mas mais macio) tem carácter e modernidade assumida. Tonalidades bem escolhidas, nada banais, que ligam com o preto do quadrado (marca) e da base do rótulo, elementos comuns à série. O contraste do verniz da marca/texto com a superfície mate (do papel) aveludada da cor, amplia o valor estético. A opção tipográfica é elegante e irrepreensível na composição. O uso de um só tipo de letra – moderno, não serifado – para os três vinhos acentua o carácter contemporâneo e faz a fusão entre eles. Nos contra-rótulos, o rigor informativo e o arranjo gráfico revelam o profissionalismo do design global.

A imagem gráfica Borges Quintas assume-se assim, claramente, como a melhor de toda a produção Borges (algo desigual em critérios de design) e uma das mais elegantes e modernas dos últimos tempos de vinhos portugueses.






















O título deste artigo surgiu a propósito de, num almoço recente com duas amigas (designers e ex-alunas na FBAUP), a autoria da imagem dos vinhos em causa nos ter sido revelada. O post estava quase pronto, por isso a conversa contornou habilmente o assunto.
O objectivo deste blogue não é promover ou despromover pessoas; antes reconhecer as qualidades do trabalho de design dos vinhos ou apontar a falta delas. Sabemos que o design se justifica pelo processo, mas é pelo resultado que a sua qualidade deve ser avaliada. Quantas vezes o reconhecimento dessa qualidade não vem apenas associado à notoriedade do seu autor? Ao apelidarmos de "crítica cega", estabelecendo a analogia com as provas cegas de vinhos, pretendemos aclamar a crítica ao design independente do seu autor.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Sites e desconfianças

Um site é hoje, para um produtor/empresa de vinhos, um dispositivo de comunicação tão ou mais importante do que os rótulos das garrafas. Representa um espaço informativo, de credibilidade e de divulgação por excelência – mas também de negócio. Quase todos os produtores que se apresentam com um design de rótulos deficiente (para não dizermos mau) têm sites a condizer. Estarão convencidos do contrário, mas isso ainda piora a avaliação do nível cultural do sector. A maioria dos produtores é mal aconselhada no que toca ao design de comunicação. Muitos nem aceitarão que isso se faça. Decidem "estrategicamente" pelo seus critérios pessoais ou pelo que espiam no vizinho mais acima. A falta de confiança em quem sabe — e a desconfiança — é um dos grandes males portugueses. Atribuir o poder de uma decisão a outrem e reconhê-la como boa é algo que os nossos empresários parece abominarem. O receio das ideias dos outros (reconhecidamente competentes, é claro) instalou-se, generalizou-se e demora a combater. Para mal da imagem do país, nomeadamente no sector dos vinhos, onde a internacionalização é um facto. E porque "olhar para o lado" é tão apetecido entre nós — no que toca ao design — dá vontade de sugerir aos produtores portugueses que ponham os olhos nos argentinos.

Um site de uma empresa de vinhos não deve ser implementado tendo em consideração apenas o gosto de quem a dirige. Mesmo que a empresa seja familiar e que tenha esse lema como condição. O site é um dispositivo de consulta, público, que deve obedecer a critérios determinados pela sua função e pelo seu uso. É, pois, pela funcionalidade do acesso, pela clareza da arquitectura da informação e pelas respostas que se obtêm, em tempo certo, que o classificamos de bom. Ainda que a poética e expressão artística sejam importantes. A par, claro está, de um carácter simbólico que não desvirtua a mensagem do produto que comunica: vinhos de uma região determinada.

Posto assim, num parágrafo, poderá parecer fácil opinar sobre design de comunicação; mas sabemos que leva anos a aprender a sua linguagem.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Os nomes dos vinhos

Reconhecemos que não deve ser fácil hoje em dia arranjar e aprovar um nome (dito) apelativo para um vinho, saindo da nomenclatura das quintas e dos lugares de cultivo da vinha. O impedimento de usar nomes de castas esgota referentes. Estabelecer uma ligação entre o nome e as características do vinho ou do lugar em questão parece ser uma atitude lógica. Contudo, sabemos que excessos de referências óbvias traduzem-se quase sempre em literalidade aborrecida. Mas não há necessidade de baptizar vinhos com carácter, vinhos sérios, com infantilidades, defeitos humanos, ou até mesmo com nomes "nonsense". Na ânsia de novidade e no deslumbre pela diferença, tem surgido ultimamente muita falta de bom senso e muitos disparates à mistura.

Gambozinos (coisa indefinida, inexistente, com que nos enganavam na infância), Egoísta (característica humana, desajustada dos valores civilizacionais actuais de solidariedade), Irreverente (atributo de quem não tem reverência, respeito pelo outro, mal-educado), Yes We Can (cópia do slogan da campanha política americana) são, entre tantos outros, nomes de vinhos portugueses que enunciam o que se disse.

Não há uma fórmula para criar um nome apelativo, simbólico e mnemónico como alguns fazem crer. Temos exemplos de nomes de vinhos prestigiados com características diversas (curtos, longos, sincopados, fechados, abertos, literais, abstractos, decifráveis, mudos, portugueses, estrangeiros...). O nome, tal como o design visual, não faz um vinho. Nem devemos esperar dele mais do que a capacidade de nomear e fixar o produto se este nos deixou referências. Pelo sim pelo não, o nome da quinta ou do lugar — quando exista bem definido — é sério e, se aprovado, não desmerecerá. Por ser tradicional em nada implica com o valor comunicativo. É que Maria e António são hoje nomes de crianças na moda, transversais a toda a nossa sociedade; depois de Constança e Martim, numa faixa, e de Vanessa e Rúben, na outra, terem feito furor.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Mudar de imagem

As mudanças no design de imagem de um qualquer produto ou serviço a que nos habituámos, a acontecerem, deveriam ser significativa e justificadamente para melhor. Razões há, de sobra, para que as mudanças aconteçam mas quantas vezes isso não se verifica?! O novo logótipo do Multibanco (pouco expressivo em visibilidade e distinção), o de Serralves (com o L obtuso, amadoramente combinado com a letra A) ou o da Água do Luso (colando-se à moda, mas deixando cair o carácter temporal do anterior tipo serifado), parecem ser exemplos claros do que pretendemos afirmar. Estas acções tanto em voga, apelidadas de "redesign", "refreshing" ou "rebranding", são quase sempre acompanhadas por extensos relatórios e narrativas fantasiosas, mas a maioria das vezes não passam de ligeiras alterações de imagem visual – vestimenta – acompanhadas do discurso "da banha da cobra". No fim, ficam os consumidores com a sensação de que lhes trocaram as voltas e o autor da ideia satisfeito, porque mostrou serviço. Ganha, sem dúvida, a empresa que executou o trabalho.

O Quinta dos Aciprestes, Douro Tinto da Real Companhia Velha, é um vinho cuja relação qualidade/preço é reconhecida. A alteração do seu rótulo enquadra-se no que atrás se disse. O papel brilhante, avivado pelo fundo preto, continua a remetê-lo para um vinho de qualidade inferior. Se o rótulo antigo apresentava uma composição gestual onde se adivinhavam aciprestes, a nova versão apresenta uma imagem de socalcos sem qualquer carácter expressivo, ambas num cromatismo agressivo e desajustado. A ilustração ficou ainda mais pobre e insipiente na sua retórica (enquanto desenho, representação simbólica e originalidade). A tipografia mudou para uma comunicação mais clássica (tipos serifados e alinhamento simétrico), mas continua a faltar-lhe erudição. A casa produtora, o vinho, a quinta, o próprio nome "Quinta dos Aciprestes" mereciam muito mais.

Valeu a pena a mudança? Não. Quando assim é, e para o consumidor, é quase sempre melhor o que estava.


segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Loucuras bairradinas

Os vinhos da região da Bairrada estão diferentes para melhor. Diz quem sabe que a região tem características de terroir dignas de serem ainda mais valorizadas e promovidas. Os solos argilosos aliados à típica casta Baga trazem carácter único aos seus vinhos. Acontece que em termos de imagem, ainda que encontremos um ou outro exemplo digno de registo, os vinhos da Bairrada seguem o mesmo panorama de qualidade fraca tão típico do resto do país. Se o produtor Luís Pato tem contribuído, em todos os sentidos, para a valorização global dos vinhos das Beiras, o que nos faz agora falar da região são os maus exemplos que por lá proliferam, prejudicando-a, ao ponto de os apelidarmos de autênticas "loucuras".

Atentemos no excêntrico Quinta da Mata Fidalga Tinto 2007 de Augusto Virgílio de Sousa & Filhos, Lda. A garrafa começa por ser desajustada: o seu desenho é o de um frasco de perfume, de um champô, ou de um azeite quando muito. (No Quinta da Mata Fidalga Branco, o conceito de embalagem de perfume ainda se acentua mais, lembra uma água de colónia espanhola). Quer isto dizer que a semântica da forma não nos remete para "vinho tinto da Bairrada". Por sua vez, o rótulo Tinto evidencia uma textura a preto e roxo/magenta de gosto muito duvidoso. A sua colocação inclinada, com o texto composto na vertical, requer seguramente grande trabalho na colagem que não parece compensado em efeito visual. Pretende ser sofisticado — embora não se justifique num vinho de custo médio de oito euros — mas o resultado global é de mau gosto, diríamos mesmo, piroso! Decerto agradará a algumas pessoas, mas quem valoriza o design ou tem preocupações estéticas, jamais o servirá num jantar... Quando muito terá que ir decantado para a mesa. Ora, quando isto se constata, é porque estamos na presença de uma má solução de design.

O design de uma embalagem nunca substitui a qualidade de um produto (ou a falta dela); mas quando o design exclui em vez de convocar e estabelecer empatia, então estamos na presença não só de uma má solução de design como de um erro grave de comunicação e, claro, de má estratégia comercial.




segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Concursos

Todos os concursos onde o gosto popular é lei são pobres culturalmente e, por conseguinte, servirão para muito pouco. A inutilidade deste tipo de eleições tem ainda a agravante de se tornarem pedagogicamente perigosas. Mostram ao público maus exemplos, enquadrados em ambientes enganosos de qualidade.

A última edição da revista Divinum, (revista quadrimestral sobre vinhos, da responsabilidade da Hdem Lda e que tem distribuição gratuita com o jornal Público) dá conta de um concurso de rótulos de vinhos, pomposamente apelidado de Wine Design. Antes de mais temos de apontar a incorrecção do título, já que não se trata de um concurso de Design: não se apura a qualidade do design do vinho (uma boa tradução de "wine design" seria "desenho, construção do vinho") nem se apura a qualidade do design da sua embalagem. O concurso propõe apenas uma votação popular, via internet, www.revistadivinum.com, num conjunto de rótulos submetidos à referida eleição. Assim, a única designação credível que o concurso deveria ostentar seria "O rótulo/imagem do vinho mais popular". Não se pode aferir a qualidade do design se, no mínimo, não se constituir um painel de jurados integrado maioritariamente por especialistas em design. Se equacionarmos que mais de 80% dos rótulos são tipografia; que dispomos hoje de milhares de tipos de letra; e que a grande maioria do público pouco mais decifra nas letras do que as palavras que estas representam... Que tipo de julgamento farão? Imagine-se, por analogia, um concurso de premiação de vinhos onde fosse o público a dar o veredicto final em vez de um painel de provadores. 
Não está em causa a importância do gosto e a aceitação popular do design, mas essa aferição tem muito pouco a ver com critérios de excelência. Não é por acaso que os dois rótulos mais votados da terceira fase (Xara 2007 Reserva e Cabeça de Toiro Reserva 2005) são banalidades gráficas com opções tipográficas, nos títulos, muito duvidosas.

A responsabilidade sobre a determinação da qualidade em cada ofício deve ser atribuída a quem sabe. Não porque se trate de preservar o controlo corporativo, mas porque os saberes (neste caso os da comunicação visual e da estética) são cada vez mais complexos e com maior especialização. Senão para que serve o investimento do Estado em escolas superiores de design? 


domingo, 10 de janeiro de 2010

Modernidade

A condição "moderna" torna-se difícil de abordar sob uma perspectiva crítica mais profunda mas é facilmente compreendida se falarmos da imagem do vinho em Portugal. A contradição aparente entre inovação, carácter e tradição cultural, algumas vezes aqui evocados a propósito da má imagem gráfica dos vinhos portugueses, encontra sentido nas palavras de Yvette Centeno: "não há inovação sem tradição, como não há cultura sem memória". Ser moderno não é estar de acordo com a moda nem importar modelos. É antes sermos capazes de actualizar sem recorrer a esses modelos. Actualizar é trabalharmos com o pensamento e os argumentos, as técnicas e os dispositivos do nosso tempo e da nossa cultura. Mas para actualizarmos a nossa cultura será necessário descobri-la e conhecê-la. Ser moderno é, sobretudo, sabermos absorver essa informação de forma crítica e criativa e operarmos mudança — a mudança é, pois, o pressuposto de toda a condição moderna.

Vem isto a propósito de um presente natalício que recebemos de um amigo: uma garrafa de Miura 2007, Douro Tinto, da Quinta de Tourais. A imagem genérica dos vinhos Quinta de Tourais propõe uma comunicação moderna e expressiva. (Mais tarde abordaremos o Tourónio Tinto, já premiado visualmente.) Vinhos de qualidade, de pequena produção, da região da Régua — e aqui no Miura em parceria com um grupo de amigos associados — que apostam com o mesmo entusiasmo na sua imagem visual. (Estamos em crer que a mudança pode estar nos pequenos produtores. Sem as pesadas estratégias de marketing por trás, muitas vezes longe de provarem a sua validade, os pequenos produtores podem constituir-se como exemplo de futuro; mais facilmente investindo em bom design, ousando e desafiando.)


O exemplo do Miura Tinto 2007 mostra como o caminho pela contemporaneidade da imagem dos vinhos em Portugal pode evoluir sem perda de carácter. Alia a técnica antiga da serigrafia (impressão a branco sobre o vidro) com a expressão gráfica de síntese (icónica e tipográfica) e o discurso simbólico (remetendo não para a representação mas para a interpretação, que está para lá das formas). Tecnicamente irrepreensível na sua execução (não nos apercebemos de qualquer união na imagem envolvente), o resultado é um belo e intrigante entrelaçado, libertando toda a informação textual para a parte de trás da garrafa. (Apenas o reparo para a vastidão de espaço ocupado pela composição do texto. O conceito de síntese pedia maior contenção).


O Miura 2007, enquanto imagem global, é enigmático e apelativo, é elegante e complexo, absorve a tradição e reconstrói-a, informa correctamente e amplia sentidos...  Em suma, traz novos valores à nossa cultura.