terça-feira, 25 de maio de 2010

A sabedoria do tempo — o vinho e o design

O vinho é uma substância que comporta a sabedoria do envelhecimento e se enobrece com ela. Com auxílio do tempo, a uva amadurece, a fermentação conclui-se e as substâncias que compõem o vinho amaciam-se, adquirindo formas e características novas, únicas, nobres. Foi mais ou menos com estas palavras que o filósofo e ensaista francês Gaston Bachelard relacionou o tempo com o vinho. Palavras que poderiam também reportar-se ao design. Embora a ideia que se generalizou tenha sido a de que o design se alimenta da moda, da efemeridade e da substituição, a verdade é que o bom design, quando comporta a sabedoria do tempo, enobrece-se, tende a ser duradouro e propiciar novas leituras e usos. O mau design comporta-se geralmente em sentido contrário. Descaracteriza-se, cansa e não resiste a novos contextos. É curioso constatar como um sofá "Corbusier" desenhado nos anos 20 resiste mais no corredor de um centro comercial do que o próprio símbolo/logótipo da empresa sua proprietária (falamos da Sonae, neste caso).

Uma imagem bem desenhada, para um vinho que a mereça, deveria resistir ao tempo. Não será pois de estranhar que abundem — e se mantenham — os exemplos clássicos de casas francesas. Ou os exemplos intemporais das garrafas de Porto, serigrafadas ou em "stencil". A novidade nunca será, em absoluto, sinónimo de qualidade.



quarta-feira, 5 de maio de 2010

Rótulos de artistas (2)

Quando no artigo anterior afirmámos que o design do rótulo Pequeno Pintor 2006 é muito mau, nomeadamente quanto ao seu texto manuscrito — de mau desenho —, referiamo-nos ao exemplar que se mostra. As letras, tipográficas ou caligráficas, exigem saber e habilidade… A merecer urgentemente uma mudança.


domingo, 2 de maio de 2010

Rótulos de artistas

Um artista, hoje, encontra normalmente a solução para a sua actividade quando se encanta com um problema. Um designer, pelo contrário, ao partir de um problema, encanta-se com a solução para o resolver. Assim se entende, de uma forma muito singela, a diferença entre arte e design. Ambas as disciplinas recorrem a elementos discursivos, meios e técnicas semelhantes mas é no objectivo que perseguem que se encontra a grande diferença. O objectivo funcional, de enfatizar a importância do programa, da informação e da leitura em detrimento do autor, da expressão e da interpretação faz toda a diferença. E define o design como uma arte assumidamente aplicada. Um rótulo, ou uma imagem global de um vinho, terá que obedecer sempre a um programa bem definido: que tipo de vinho?, que região?, que terroir?, que características (orgânicas, técnicas e simbólicas)?, que implicações normativas?, que consumidores?, que nome?, que pretensões tem quem o trabalha?, etc.  São questões como estas que determinam um programa e que requerem, para a sua equação e resposta, uma prática analítica, metódica e projectual exigente. Que obriga a conhecimento específico, nomeadamente de design gráfico e tipografia (maior mal dos rótulos portugueses) para lá da iconografia, das técnicas de impressão, de uma cultura própria, etc. Além de uma disposição natural para lidar com constrangimentos e dialogar com clientes. A tudo isto um artista responde normalmente com dificuldade. Não está na natureza do seu trabalho.


Os rótulos da marca Monte do Pintor da Sociedade Agrícola da Sossega, Lda são pobres visual e funcionalmente: Escultor, Monte do Pintor Reserva, Monte do Pintor e Pequeno Pintor. A qualidade do seu design fica muito aquém da excelência do seu vinho: iconografia insípida (esboço de sobreiros, demasiado primário); texto manuscrito de mau desenho (no rótulo "Pequeno Pintor 2006" é mesmo muito mau); tipografia do chamado contra-rótulo pouco exigente. Resultado: carácter, expressão e impacto visual mudos. Contudo, a empresa exprime com algum entusiasmo no seu site (de design igualmente débil) que os rótulos "são de autoria do Escultor Português João Cutileiro"! Não questionamos o reconhecimento e importância do artista na história da arte portuguesa do séc. XX — nomeadamente na renovação da escultura e até da estatuária portuguesa nas décadas de 60 e 70 —, mas pomos em causa o valor/resultado da sua contribuição. Percebemos as ligações apetecíveis entre o vinho e o prestígio do artista, o Alentejo comum, e outras que porventura desconhecemos; mas nada justifica a má solução apresentada.


Num bom design, todas as ampliações de sentido podem acontecer depois de cumpridas as exigências do seu programa básico. Programa esse determinado sempre pelo objectivo, independente da maior ou menor disposição que cada autor tem para lidar com os constrangimentos inerentes.