Visitar a Quinta da Ervamoira da Ramos Pinto é uma experiência única. O lugar inóspito e a dificuldade do acesso a partir de Muxagata, intensificam o deslumbre da chegada: um cenário fantástico que se revela ao dobrarmos o cume do monte. Toda a envolvente das vinhas, vestidas nos tons da época, fazem da experiência motivo suficiente para se regressar. A simpatia e a entrega da Sónia — que nos vai buscar, faz de guia da visita, serve à mesa e dirige as provas — torna o dia certamente inesquecível. Foi com ela também, enquanto motorista e cicerone, que visitámos as gravuras do Côa, ali bem perto. Gravuras a quem se deve a continuidade da quinta. A casa, de arquitectura despojada, restaurada com materiais tradicionais, é agradável e não compromete, ganhando maior expressão nas modernas instalações do piso térreo — o pequeno museu, galeria e loja — e no alpendre. O museu conta a história do lugar primitivo, do empreendimento da plantação da vinha e da casa Adriano Ramos Pinto desde o seu fundador até aos actuais proprietários (grupo francês ligado ao champanhe).
É reconhecido o pioneirismo de Adriano Ramos-Pinto em Portugal, na implementação de uma estratégia promocional para os seus vinhos, nomeadamente pela importância que atribuiu a uma imagem global de qualidade. Contratou autores estrangeiros de relevo para a execução dos seus cartazes, como Cappiello (o mais famoso dos cartazistas europeus, nos anos 10, segundo José Augusto-França), Metlicovitz e Rossotti. Em continuidade, embora já sem o carácter inovador de outros tempos, o actual design visual dos vinhos Ramos Pinto é cuidado. Alguns exemplos merecem mesmo nota de realce como o renovado Duas Quintas Reserva. O seu rótulo apresenta uma imagem fotográfica, a preto e branco, da bela Quinta de Ervamoira (que juntamente com a Quinta dos Bons Ares dá origem a este nome/vinho). Recurso pouco habitual em rótulos de vinho — sem nada que o justifique —, a fotografia regista e é o documento por excelência. Quando a preto e branco, ainda mais se reforça esse carácter documental, de pormenor denotativo, sem perder as suas qualidades expressivas. Imagem de grande qualidade e beleza que, combinada com a tipografia clássica, a preto e ouro, de apurado rigor formal e técnico (tanto no rótulo como no contra-rótulo), dão sequência ao profissionalismo imposto por Adriano Ramos-Pinto nas primeiras décadas do século XX.
Enquanto muitas das imagens artísticas (ou pseudo-artísticas) nos rótulos contemporâneos de vinhos nos desviam ou lhes retiram significado, a imagem da Quinta da Ervamoira no Duas Quintas Reserva tem a virtude de ser clara e de nos remeter para uma convergência de sentido. É por ela que o valor do lugar se venera porque, como afirmava Susan Sontag, "fotografar é atribuir importância".
segunda-feira, 29 de março de 2010
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