segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

A tradição do Douro e as modernices gráficas (II)

Para exemplificarmos o que foi dito na primeira parte deste artigo, escolhemos duas garrafas de estilos distintos do produtor Alves de Sousa. Premiado pela qualidade que tem apresentado nos vinhos que produz, deveria corresponder a semelhante exigência na imagem. (Um parêntesis para afirmarmos que nada nos move contra nenhum produtor, marca ou designer. Tentaremos sempre manter a distância jornalística no comentário, e sempre numa perspectiva construtiva. Uma coisa é certa: só falaremos da imagem de vinhos cuja garrafa bebamos até ao fim... E, mais fácil do que fazer um bom vinho, será alterar uma imagem gráfica.)















O Cume do Pereiro 2004, vinho tinto Douro de relação qualidade/preço apreciável, destaca-se por apresentar um rótulo excêntrico, uma "modernice" que parece contrariar o carácter do Douro. Ao apoiar a sua estratégia visual numa forma (um cortante especial), pretende sobressair pela novidade, esquecendo que a novidade por si só não constitui qualquer valor, ainda mais quando é semântica e plasticamente pobre. Trata-se de uma evocação estilizada — mas literal — do cume de um monte. É também uma forma desajustada em relação ao suporte (garrafa). A tipografia escolhida, geométrica e de estilo temporal marcante (Avant Garde, final dos anos 60), segue o mesmo critério anacrónico. Sob o ponto de vista informativo — e é este, quanto a nós, o ponto principal para a avaliação de um rótulo — teremos que voltar a garrafa para obtermos a informação mínima necessária. Parte do próprio nome do vinho (do Pereiro) é omitida. O contra-rótulo é um exemplo claro da falta de rigor na organização dos conteúdos e no desenho da informação mas, acima de tudo, de pouco respeito pelo leitor.

O segundo exemplo é o Quinta do Vale da Raposa Touriga Nacional 2005. Este vinho tinto do Douro, de preço mais elevado e com boas notas de classificação, mostra bem a diferença de qualidade que existe entre um conteúdo e um contentor. O seu rótulo aponta para uma maior sobriedade, seguindo uma opção tipográfica. Porém, o resultado global não afirma o carácter do vinho, antes evidencia fragilidades que denunciam o seu grafismo amador: a composição do título, à esquerda do rótulo, contraria a ordem sugerida pelo seu alinhamento central; apresenta uma hierarquia excessiva, com corpos (tamanhos de letra) desajustados; tem erros de composição (o entrelinhamento do texto é descuidado e na primeira linha do título, o espaço antes da palavra "do" é incompreensível); já para não falarmos do estranho elemento (tipo?)gráfico que domina o rótulo. O que é? E que justificação dar à repetição do nome no seu interior, agora fragmentado e em caixa baixa? (Qualquer imagem que nada acrescente à informação, transforma-se em ruído. E se não for entendida minimamente torna-se um equívoco.) Usar vernizes e relevos encarece um rótulo mas não lhe traz qualidade, se o que se enverniza ou releva não promover sentido. O contra-rótulo, uma vez mais, denuncia a falta de qualidade global, apresentando o texto principal negativado, alinhado à direita (erro comum de quem não tem em conta o leitor), já para não falarmos da sua dupla orientação (horizontal e vertical) e da diferença notória na qualidade do papel.

Outros exemplos mereciam críticas semelhantes como os Quinta da Estação, os Reserva Pessoal ou o Quinta da Gaivosa Vinha do Lordelo. Fica ainda uma nota incontornável: a imagem de identidade "Alves de Sousa" (logótipo) merece ser alterada quanto antes. Espelha precisamente as incongruências e o grafismo amador do que atrás se mencionou: desnecessária "mixórdia" tipográfica em caixa baixa, em algo que deveria representar seriedade e credibilidade institucional, principalmente para que tem demonstrado exigência e qualidade nos vinhos que apresenta.

Para terminar, e generalizando, não cremos que o mau resultado visual da imagem dos vinhos Douro seja apenas culpa de amadores com um computador à frente, ou de jovens designers (talvez os que não apreciam vinho), ou dos responsáveis pela promoção e pelo marketing que os encomendam... Dói que sejam os próprios produtores a aprovar, mas mais ainda, a rever-se nessas "pérolas". É que a qualidade de um qualquer produto ou artefacto emana de todas as suas "artes". Compete saber o lugar de cada uma.

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