domingo, 29 de novembro de 2009

A tradição do Douro e as modernices gráficas (I)

Quem gosta de beber um bom vinho sabe do que falamos quando falamos de Douro, da região demarcada mais antiga do Mundo, hoje Património Mundial pela UNESCO. Esse peso — herança e crédito — deveria ser, por isso mesmo, bem entendido por todos os intervenientes que no Douro e para o Douro trabalham. Só assim se reforçará o seu carácter identitário. Mas, se os que lá se mantêm, ligados ao território, dificilmente o esquecem, já outros longe, reunidos em gabinetes ou em frente a ecrãs de Mac's, parecem desconhecer esse programa e esse poder. Porque de verdadeiro poder simbólico se trata.

Ainda que se tenham verificado nestas últimas décadas mudanças significativas na região do Douro — nomeadamente a expansão dos vinhos Douro e o fervilhar dos chamados Douro Boys — o que é certo é que a região, património do estatuto que transporta, se mantém com o mesmo carácter de tradição. E entendemos "tradição" não como atitude reactiva à modernidade necessária e inevitável, mas antes condição que emana de múltiplos factores culturais. Estabelecendo um paralelismo com o design visual, diríamos que o carácter de tradição do Douro é semelhante ao tipo de letra Trajan (aplicado no título deste blogue). Este tipo clássico, inspirado na inscrição da base da coluna de Trajano (Roma, 113 d.C.), foi desenhado pela americana Carol Twombly em 1989, com tecnologia moderna, para servir em dispositivos actuais.

Se tivermos que resumir hoje, em palavras, as características globais dos vinhos da Região do Douro, facilmente concordaremos com os vocábulos: tradição, carácter, complexidade, elegância. Espera-se que um profissional de comunicação visual estabeleça uma correspondência inteligente entre o verbo/conceito global e a imagem a projectar, atentando depois na especificidade de cada vinho.

Não será pois de estranhar o nosso espanto, ao vermos no mercado, e a preços elevados, incoerências visuais que contrariam frontalmente o que atrás se disse. Numa visita à secção de vinhos de um bom supermercado (El Corte Inglés, Gaia/Porto), em duas alas generosas de prateleiras dedicadas ao Vinho Douro e em duas menores dedicadas ao Porto, verificámos que apenas menos de vinte por cento das garrafas correspondem àquele desígnio simbólico, possuidor de uma qualidade visual exigente. A mediania e a banalidade caracteriza uma faixa bem mais larga. Mas, por último, surge um grupo, penosa e injustificadamente elevado, onde reina a falta de qualidade e rigor informativo, a falta de qualidade gráfica e plástica e uma total ausência de coerência simbólica. Infelizmente, esta falta de atributos não se confina aos vinhos de gama baixa; o problema é transversal e começa também a tomar conta dos Vinhos do Porto (até há bem pouco tempo um oásis visual, sob domínio da tradição britânica, e que numa próxima ocasião tentaremos abordar).

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