domingo, 28 de fevereiro de 2010

Grão Vasco Dão, duriense e alentejano

Al Ries, especialista americano de marketing e publicidade — conhecido como "guru das marcas" e autor do livro "A Origem das Marcas"—, dizia em entrevista à TSF que uma marca, para vingar, terá que remeter o mais possível para o mesmo conceito ou função. É pela convergência, como refere, que o consumidor reconhecerá a dimensão máxima de uma marca até ao extremo de chegar a confundir o conceito/produto genérico com o próprio nome/marca. Os exemplos Coca-Cola, Gilette, Kispo ou Bic são sintomáticos para percebermos a sua ideia.

Quando associamos o nome Grão Vasco ao vinho, o Dão impõe-se. Por razões óbvias mas, como também referiu Al Ries, porque o Grão Vasco Dão foi o primeiro a conquistar a mente dos consumidores. E já lá vão algumas décadas. Claro que o próprio pintor renascentista português (e não medieval como se diz no site, exuberantemente animado, de apoio ao vinho Grão Vasco) terá vivido e trabalhado por aquelas bandas. O museu com o seu nome e com a sua obra mais significativa — e que se aconselha visitar, depois da intervenção do arquitecto Souto Moura — também está situado em Viseu. Tudo isto são ligações que não podemos evitar. Desconhecemos se a estratégia comercial da Sogrape, ao associar o nome Grão Vasco a vinhos de outras regiões, tem êxito. Desconhecemos também os pressupostos que a determinaram. Nem compete a este espaço essa análise, mas a pergunta é legítima em termos de comunicação. Habituados que estávamos ao Grão Vasco como Dão, teremos agora, e contrariando a teoria de Al Ries, capacidade de mudar facilmente a nossa mente e aderir a um Grão Vasco duriense ou alentejano? 

Claro que o propósito que determinou este artigo não foi o marketing mas o design visual da trilogia dos tintos Grão Vasco (a exemplo do que fizemos com os Borges Quintas). A nova imagem do conjunto é graficamente cuidada e, sem ser brilhante, reconhecemos nela o devido profissionalismo, como vem sendo habitual na Sogrape. Constatamos contudo que, para vinhos com características tão distintas, a solução de design gráfico é muito questionável. Serão poucos os que não hesitarão ao tirar da prateleira o Grão Vasco pretendido. A tipologia de garrafa, seguindo o compromisso borgonhês do Dão, também ajuda ao equívoco, a par da mesma organização formal dos rótulos e da sua tipografia. Enquanto elementos distintivos, reconhecemos apenas: a cor na gargantilha e correspondente banda cromática no rótulo (onde se insere o nome da região); o pormenor iconográfico da pintura de Vasco Fernandes (imagens muito próximas) e o texto descritivo das castas em corpo pequeno. Demasiadas subtilezas para o consumidor menos atento diferenciar. Ou será que a confusão é propositada? 


Unir o que é de unir e separar o que deve ser separado é uma regra básica em comunicação visual. Apanhar a boleia do êxito nem sempre significa uma boa opção. Principalmente quando na mesma carruagem viajam personalidades vincadamente distintas. Quase sempre tendem a confundir-se e, por consequência, a esbater-se.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Crítica cega ao design Borges Quintas

Um rótulo de um vinho não tem que contar uma história nem tem que recorrer sempre a elementos narrativos e simbólicos. A sua função principal é identificar e distinguir, e só depois caracterizar. Para cumprir estes propósitos, a cor, enquanto elemento comunicativo, pode ser uma opção inteligente.

A qualidade da nova imagem dos vinhos Borges Quintas (Verde, Douro e Dão) merece ser reconhecida. Principalmente porque, perante o programa difícil, a solução de design é eficaz. ("Programa" é, quanto a nós, o melhor termo português para substituir o badalado "briefing"). A proposta de unificar e diversificar em simultâneo não é fácil, isto é, através de argumentos de design gráfico, uma mesma marca/nome comunicar produtos tão distintos como vinhos Verde (branco), Douro e Dão (tintos). Assim, o elemento central da estratégia de design foi a cor. Ainda que a tipologia de garrafas ajude nessa caracterização (o Dão impõe a garrafa borgonhesa), as cores expressivas dos rótulos trouxeram uma forte distinção — identidade — e alguma caracterização e simbolismo. A solução do verde (mais frio), do amarelo (mais quente e intenso) e do rosa (quente mas mais macio) tem carácter e modernidade assumida. Tonalidades bem escolhidas, nada banais, que ligam com o preto do quadrado (marca) e da base do rótulo, elementos comuns à série. O contraste do verniz da marca/texto com a superfície mate (do papel) aveludada da cor, amplia o valor estético. A opção tipográfica é elegante e irrepreensível na composição. O uso de um só tipo de letra – moderno, não serifado – para os três vinhos acentua o carácter contemporâneo e faz a fusão entre eles. Nos contra-rótulos, o rigor informativo e o arranjo gráfico revelam o profissionalismo do design global.

A imagem gráfica Borges Quintas assume-se assim, claramente, como a melhor de toda a produção Borges (algo desigual em critérios de design) e uma das mais elegantes e modernas dos últimos tempos de vinhos portugueses.






















O título deste artigo surgiu a propósito de, num almoço recente com duas amigas (designers e ex-alunas na FBAUP), a autoria da imagem dos vinhos em causa nos ter sido revelada. O post estava quase pronto, por isso a conversa contornou habilmente o assunto.
O objectivo deste blogue não é promover ou despromover pessoas; antes reconhecer as qualidades do trabalho de design dos vinhos ou apontar a falta delas. Sabemos que o design se justifica pelo processo, mas é pelo resultado que a sua qualidade deve ser avaliada. Quantas vezes o reconhecimento dessa qualidade não vem apenas associado à notoriedade do seu autor? Ao apelidarmos de "crítica cega", estabelecendo a analogia com as provas cegas de vinhos, pretendemos aclamar a crítica ao design independente do seu autor.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Sites e desconfianças

Um site é hoje, para um produtor/empresa de vinhos, um dispositivo de comunicação tão ou mais importante do que os rótulos das garrafas. Representa um espaço informativo, de credibilidade e de divulgação por excelência – mas também de negócio. Quase todos os produtores que se apresentam com um design de rótulos deficiente (para não dizermos mau) têm sites a condizer. Estarão convencidos do contrário, mas isso ainda piora a avaliação do nível cultural do sector. A maioria dos produtores é mal aconselhada no que toca ao design de comunicação. Muitos nem aceitarão que isso se faça. Decidem "estrategicamente" pelo seus critérios pessoais ou pelo que espiam no vizinho mais acima. A falta de confiança em quem sabe — e a desconfiança — é um dos grandes males portugueses. Atribuir o poder de uma decisão a outrem e reconhê-la como boa é algo que os nossos empresários parece abominarem. O receio das ideias dos outros (reconhecidamente competentes, é claro) instalou-se, generalizou-se e demora a combater. Para mal da imagem do país, nomeadamente no sector dos vinhos, onde a internacionalização é um facto. E porque "olhar para o lado" é tão apetecido entre nós — no que toca ao design — dá vontade de sugerir aos produtores portugueses que ponham os olhos nos argentinos.

Um site de uma empresa de vinhos não deve ser implementado tendo em consideração apenas o gosto de quem a dirige. Mesmo que a empresa seja familiar e que tenha esse lema como condição. O site é um dispositivo de consulta, público, que deve obedecer a critérios determinados pela sua função e pelo seu uso. É, pois, pela funcionalidade do acesso, pela clareza da arquitectura da informação e pelas respostas que se obtêm, em tempo certo, que o classificamos de bom. Ainda que a poética e expressão artística sejam importantes. A par, claro está, de um carácter simbólico que não desvirtua a mensagem do produto que comunica: vinhos de uma região determinada.

Posto assim, num parágrafo, poderá parecer fácil opinar sobre design de comunicação; mas sabemos que leva anos a aprender a sua linguagem.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Os nomes dos vinhos

Reconhecemos que não deve ser fácil hoje em dia arranjar e aprovar um nome (dito) apelativo para um vinho, saindo da nomenclatura das quintas e dos lugares de cultivo da vinha. O impedimento de usar nomes de castas esgota referentes. Estabelecer uma ligação entre o nome e as características do vinho ou do lugar em questão parece ser uma atitude lógica. Contudo, sabemos que excessos de referências óbvias traduzem-se quase sempre em literalidade aborrecida. Mas não há necessidade de baptizar vinhos com carácter, vinhos sérios, com infantilidades, defeitos humanos, ou até mesmo com nomes "nonsense". Na ânsia de novidade e no deslumbre pela diferença, tem surgido ultimamente muita falta de bom senso e muitos disparates à mistura.

Gambozinos (coisa indefinida, inexistente, com que nos enganavam na infância), Egoísta (característica humana, desajustada dos valores civilizacionais actuais de solidariedade), Irreverente (atributo de quem não tem reverência, respeito pelo outro, mal-educado), Yes We Can (cópia do slogan da campanha política americana) são, entre tantos outros, nomes de vinhos portugueses que enunciam o que se disse.

Não há uma fórmula para criar um nome apelativo, simbólico e mnemónico como alguns fazem crer. Temos exemplos de nomes de vinhos prestigiados com características diversas (curtos, longos, sincopados, fechados, abertos, literais, abstractos, decifráveis, mudos, portugueses, estrangeiros...). O nome, tal como o design visual, não faz um vinho. Nem devemos esperar dele mais do que a capacidade de nomear e fixar o produto se este nos deixou referências. Pelo sim pelo não, o nome da quinta ou do lugar — quando exista bem definido — é sério e, se aprovado, não desmerecerá. Por ser tradicional em nada implica com o valor comunicativo. É que Maria e António são hoje nomes de crianças na moda, transversais a toda a nossa sociedade; depois de Constança e Martim, numa faixa, e de Vanessa e Rúben, na outra, terem feito furor.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Mudar de imagem

As mudanças no design de imagem de um qualquer produto ou serviço a que nos habituámos, a acontecerem, deveriam ser significativa e justificadamente para melhor. Razões há, de sobra, para que as mudanças aconteçam mas quantas vezes isso não se verifica?! O novo logótipo do Multibanco (pouco expressivo em visibilidade e distinção), o de Serralves (com o L obtuso, amadoramente combinado com a letra A) ou o da Água do Luso (colando-se à moda, mas deixando cair o carácter temporal do anterior tipo serifado), parecem ser exemplos claros do que pretendemos afirmar. Estas acções tanto em voga, apelidadas de "redesign", "refreshing" ou "rebranding", são quase sempre acompanhadas por extensos relatórios e narrativas fantasiosas, mas a maioria das vezes não passam de ligeiras alterações de imagem visual – vestimenta – acompanhadas do discurso "da banha da cobra". No fim, ficam os consumidores com a sensação de que lhes trocaram as voltas e o autor da ideia satisfeito, porque mostrou serviço. Ganha, sem dúvida, a empresa que executou o trabalho.

O Quinta dos Aciprestes, Douro Tinto da Real Companhia Velha, é um vinho cuja relação qualidade/preço é reconhecida. A alteração do seu rótulo enquadra-se no que atrás se disse. O papel brilhante, avivado pelo fundo preto, continua a remetê-lo para um vinho de qualidade inferior. Se o rótulo antigo apresentava uma composição gestual onde se adivinhavam aciprestes, a nova versão apresenta uma imagem de socalcos sem qualquer carácter expressivo, ambas num cromatismo agressivo e desajustado. A ilustração ficou ainda mais pobre e insipiente na sua retórica (enquanto desenho, representação simbólica e originalidade). A tipografia mudou para uma comunicação mais clássica (tipos serifados e alinhamento simétrico), mas continua a faltar-lhe erudição. A casa produtora, o vinho, a quinta, o próprio nome "Quinta dos Aciprestes" mereciam muito mais.

Valeu a pena a mudança? Não. Quando assim é, e para o consumidor, é quase sempre melhor o que estava.