terça-feira, 1 de março de 2011

A retórica do vazio

A importância que os valores simbólico e estético têm hoje numa garrafa de vinho, e à volta dela, merece reflexão. O que hoje se espera de um rótulo, ou de uma imagem global de um vinho, não é mais o dispositivo informativo (e de imposição normativa quantas vezes desajustada em critério gráfico e no tempo) mas antes uma narrativa a transbordar significados. Cumprida a primeira fase, os rótulos – tal como a comunicação publicitária em geral –, tornam-se cada vez mais narrativas carregadas de valores estético e simbólico, de apelo aos nossos sentidos. Estas mensagens constroem-se normalmente demasiado distantes do produto, do cliente ou da interacção entre ambos. Por isso denotam algum desprezo pelo receptor, pela sua leitura e interpretação.

O vinho 8 (oito), da Adega Mayor, é um bom exemplo do que atrás se disse. O vinho chama-se 8 mas estamos em crer que se poderia chamar 437, ou 5, ou até 0. Razões haveria para o justificar com facilidade e pretensa erudição. Tal como se justifica o vinho 7: "7 artes, 7 dias da semana, 7 pecados mortais, 7 graus da perfeição, 7 chakras da nossa energia" (sic). Sobre o 8, podemos ler: "No dia 08/08/2008 o mundo assistiu à abertura dos Jogos Olímpicos de Pequim. 
Nesse mesmo dia, às 8 da manhã em Portugal, 8 pessoas começaram a encher a primeira de 8008 garrafas numeradas, celebrando o espírito da criação." E o filme promocional do vinho termina com: "8 não é muito nem pouco, é eterno!" A construção até pode ser bonita, poética, metafísica (numerologia?) ou supersticiosa mas... e depois?

A embalagem e o rótulo do vinho 8 seguem as pisadas da sua retórica "conceptual" mas agora em exercício estilístico puro. A imagem é, sem dúvida, original, como pretendem os seus promotores. Tem um grafismo cuidado e foi inclusivamente premiada em concurso promovido por uma revista de marketing e publicidade. Reconhecemos que o recurso à literalidade, à "mera" função, à evocação de um qualquer produto se pode tornar pobre e aborrecida; mas a "banha da cobra" (qual memória descritiva de escola) que nos tentam impingir para vender o vinho, descredibiliza o próprio vinho e quem o faz, o design e a comunicação séria. É demasiado investimento no lado errado, no lado de fora do programa. Ainda que rico em elementos, torna-se um discurso difícil de agarrar. Escapa-se por entre os dedos porque é, acima de tudo, um discurso vazio.

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