terça-feira, 20 de abril de 2010

Artistas e rótulos

Nenhum rótulo de vinho ganha eficácia ou eloquência por inserir, chapado, o "cromo" de um artista famoso. A reprodução de obras de artistas célebres tem sido, ao longo dos tempos, uma tendência de algumas casas/marcas de vinhos como recurso e estratégia visual. São sobejamente conhecidos os rótulos da casa Château Mouton Rothschild que, desde 1946, reproduzem obras de Dalí, Miró, Chagall, Kandinsky, Picasso, Andy Warhol... Em Portugal, obras de Cargaleiro, Resende, Pomar, Siza Vieira, José de Guimarães, Cabrita Reis, etc., têm aparecido nos últimos anos estampadas em rótulos de várias casas produtoras. Tentativa de prestigiar o vinho através das Belas-Artes (as ditas nobres), reconhecemos contudo que, na maioria das vezes, a qualidade comunicativa desses rótulos não apresenta qualquer valor acrescido para além da estampa mais ou menos famosa que exibem. É estritamente sobre os planos simbólico (do prestígio do autor) e decorativo (do valor plástico) que estas imagens actuam. Design e arte apresentam assim, normalmente, dois discursos paralelos — que não se encontram. Ainda que o discurso gráfico-plástico de cada artista seja notoriamente distinto ou eloquente, o resultado global pode ver anulada essa característica quando o design do rótulo se revela insípido ou mesmo mau. 

Defendemos a ideia que o melhor design (em qualquer artefacto ou mensagem) é aquele que nos permite estabelecer o maior número de ligações de sentido. Se se pretende ancorar a expressão e o prestígio de um determinado artista ao vinho ou à empresa, a solução terá de passar por um projecto coordenado por um designer competente. Um rótulo é sempre um dispositivo de design visual. Texto, imagem e vinho — ou design, arte e vinho — sendo bem distintos, podem conviver em perfeita sintonia desde que se compreendam e não se atropelem. Todos ganham se as ligações forem perfeitas.



sexta-feira, 2 de abril de 2010

Hans Christian Andersen

Comemora-se hoje o 205º aniversário de Hans Christian Andersen, considerado o maior escritor de literatura para crianças. E, por causa dele, assinala-se nesta data o Dia Mundial do Livro Infantil. Ainda que muitos digam que não há literatura para crianças — há apenas literatura — , o que é certo é que o destinatário determina um conjunto de decisões e formalidades que acabam por a caracterizar como género.

Pouca relação encontraremos entre livros para crianças e Hans Christian Andersen e a imagem do vinho em Portugal. A sua inclusão neste blogue poderá até parecer despropositada. A cultura espalha-se cada vez mais, contaminando todas as áreas, revelando-se hoje mais pelo seu carácter horizontal do que vertical. Acontece que a empresa Cortes de Cima em boa hora dedicou ao escritor dinamarquês um vinho seu. Trata-se do Homenagem a Hans Christian Andersen, um monocasta Syrah comercializado a partir das vindimas de 2003, 2004 e 2007. (Não é estranho o facto desta empresa familiar ser de dinamarqueses). Pena que, a exemplo do que acontece com a generalidade dos rótulos Cortes de Cima, a sua imagem não acompanhe a qualidade dos seus vinhos. Sem serem desprestigiantes nem funcionalmente maus, o design e ilustração dos rótulos são demasiado insípidos e sem grande carácter. Refugiando-se em ilustrações pouco interessantes (quer semântica quer de expressão artística), no texto justificado e composto repetidamente no tipo Rotis, pouco neles poderemos valorizar. Design singelo e de baixo custo, quase amador ou caseiro, poderia considerar-se uma virtude se o propósito não fosse "comunicar" vinhos com qualidade, de preço e expansão comercial consideráveis.

Quando o envolvimento no que fazemos se sobrepõe ao propósito e às suas exigências, tende a tolher-nos e a tornar a nossa comunicação uma auto-expressão que poderá interessar muito aos nossos netos mas certamente pouco a quem servimos e menos à cultura em geral. Propomos por isso, hoje, evocar a obra, talento e universalidade do dinamarquês Hans Christian Andersen ao mesmo tempo que fazemos votos para que Cortes de Cima nivele a qualidade do seu design pela qualidade dos seus vinhos.