Um designer competente, ou um gabinete de design, não deve fazer o que o cliente quer mas antes projectar aquilo que o cliente ainda não sabe que quer. Só assim a disciplina e a prática do design se justificam. Só assim as competências e o diálogo se podem assumir por inteiro. E só assim, também, o designer prestará o melhor serviço. Um cliente convencido que sabe sempre o que quer — mesmo em áreas em que pouco sabe ou nada aprendeu — só precisa de um técnico que execute; não precisa de contratar um designer.
Henrique Uva/Herdade da Mingorra apresenta uma imagem interessante no seu vinho M, colheita tardia ou "late harvest". A singularidade da garrafa, afastando-se dos tradicionais modelos estreitos, neste tipo de vinho (de sobremesa ou aperitivo); a delicadeza do nome e do grafismo (questionamos apenas a opção pelo tipo de letra moderno, um tanto amaneirado); a impressão a ouro, à semelhança da cor do vinho; a gargantilha distinta a condizer; a limpeza de informação no rótulo, remetendo-a para os bastidores do contra-rótulo (aqui menos conseguido): fazem do todo uma combinação harmoniosa de coerência, carácter e elegância e, para muitos, será certamente um bom exemplo de originalidade...
Entretanto pode ler-se no blogue da empresa responsável pelo seu design: "O Rótulo Late Harvest (colheita tardia) da Mingorra foi desenvolvido com a grande cumplicidade de Isabel Uva que de uma forma apaixonada defendeu a sua ideia até à conclusão do projecto e no fim, apenas lhe podemos dar os parabéns pela sua visão". Na sequência destas palavras dir-se-á que o primeiro parágrafo deste post perde o seu sentido. Contudo, consultado o portefólio de rótulos desenhados pela "agência de design e comunicação" em causa, constatámos que todos eles evidenciam a falta de carácter e de eloquência que caracteriza a produção nacional, nomeadamente quanto ao uso da tipografia, elemento principal na comunicação de rótulos. Desconhecendo o processo metodológico do projecto, só podemos afirmar que a troca de papéis acabou por funcionar.
Não é um diploma em design que faz um bom profissional de imagem de vinhos. Nem uma carteira de clientes mais ou menos famosos, nem um portefólio vasto garantem eloquência. Designers especializados, irrepreensíveis — como em todas as profissões — não abundam.
sexta-feira, 27 de agosto de 2010
sexta-feira, 20 de agosto de 2010
Imagem caseira
"Quando o envolvimento no que fazemos se sobrepõe ao propósito e às suas exigências, tende a tolher-nos e a tornar a nossa comunicação uma auto-expressão que poderá interessar muito aos nossos netos mas certamente pouco a quem servimos e menos à cultura em geral." Escrevemos em tempos estas palavras a propósito dos rótulos dos vinhos Cortes de Cima, criticando as ilustrações amadoras e o design insípido que exibem.
Os rótulos dos vinhos da Herdade da Malhadinha Nova, na mesma linha da empresa Cortes de Cima, vão mais longe ao exibirem desenhos das crianças da família. Desenhos semelhantes aos que todos nós, os que temos filhos pequenos, afixamos no escritório ou na porta do frigorífico lá de casa. Correspondem, como a generalidade dos desenhos infantis, a um discurso gráfico estereotipado. São uma forma das crianças comunicarem. Valem porque são feitos pela Alice, pelo João ou pela Francisca e não pelas suas qualidades artísticas. Aos pais enchem de orgulho mas para os outros serão um aborrecimento. Por isso devemos ter o bom senso de sermos contidos ao mostrá-los aos amigos.
Os vinhos Malhadinha, Monte da Peceguina, Antão Vaz, Aragonês da Peceguina e Marias da Malhadinha são bem feitos. Afirmam-no outros mais entendidos do que nós. No que ao design de imagem diz respeito, são um equívoco. Entre o profissionalismo e o apego familiar paira uma espécie de fronteira mal definida. O que salta à vista nos rótulos é mesmo a combinação estranha das "imagens de infantário" com a tipografia utilizada (clássica — Trajan — nos títulos e moderna em caixa baixa — Univers — no resto da informação, no Monte da Peceguina, por exemplo). De pouco servirá o verniz Braille e o cuidado na impressão. Vinhos de preço considerável e de qualidade elogiada (sem dúvida o atributo mais importante!) mereciam um trabalho erudito a todos os níveis.
Depois da visita à bela Herdade da Malhadinha Nova, e na sequência de um excelente almoço degustação acompanhado pelos não menos excelentes vinhos da casa, não deixámos de nos interrogar, no regresso, como seriam a gastronomia e a enologia da herdade se fossem entregues aos palpites das crianças da família. Parece um exagero mas é uma analogia legítima que qualquer especialista em design de comunicação faria.
O design visual é hoje, cada vez mais, uma exigência que se impõe a toda a comunicação. Não deve ficar preso a estratégias emocionais, personalizadas, principalmente quando o cliente paga, a concorrência é muita e o léxico expressivo vasto, complexo, e exige saber na sua articulação.
Os rótulos dos vinhos da Herdade da Malhadinha Nova, na mesma linha da empresa Cortes de Cima, vão mais longe ao exibirem desenhos das crianças da família. Desenhos semelhantes aos que todos nós, os que temos filhos pequenos, afixamos no escritório ou na porta do frigorífico lá de casa. Correspondem, como a generalidade dos desenhos infantis, a um discurso gráfico estereotipado. São uma forma das crianças comunicarem. Valem porque são feitos pela Alice, pelo João ou pela Francisca e não pelas suas qualidades artísticas. Aos pais enchem de orgulho mas para os outros serão um aborrecimento. Por isso devemos ter o bom senso de sermos contidos ao mostrá-los aos amigos.
Os vinhos Malhadinha, Monte da Peceguina, Antão Vaz, Aragonês da Peceguina e Marias da Malhadinha são bem feitos. Afirmam-no outros mais entendidos do que nós. No que ao design de imagem diz respeito, são um equívoco. Entre o profissionalismo e o apego familiar paira uma espécie de fronteira mal definida. O que salta à vista nos rótulos é mesmo a combinação estranha das "imagens de infantário" com a tipografia utilizada (clássica — Trajan — nos títulos e moderna em caixa baixa — Univers — no resto da informação, no Monte da Peceguina, por exemplo). De pouco servirá o verniz Braille e o cuidado na impressão. Vinhos de preço considerável e de qualidade elogiada (sem dúvida o atributo mais importante!) mereciam um trabalho erudito a todos os níveis.
Depois da visita à bela Herdade da Malhadinha Nova, e na sequência de um excelente almoço degustação acompanhado pelos não menos excelentes vinhos da casa, não deixámos de nos interrogar, no regresso, como seriam a gastronomia e a enologia da herdade se fossem entregues aos palpites das crianças da família. Parece um exagero mas é uma analogia legítima que qualquer especialista em design de comunicação faria.
O design visual é hoje, cada vez mais, uma exigência que se impõe a toda a comunicação. Não deve ficar preso a estratégias emocionais, personalizadas, principalmente quando o cliente paga, a concorrência é muita e o léxico expressivo vasto, complexo, e exige saber na sua articulação.
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