Quem gosta de beber um bom vinho sabe do que falamos quando falamos de Douro, da região demarcada mais antiga do Mundo, hoje Património Mundial pela UNESCO. Esse peso — herança e crédito — deveria ser, por isso mesmo, bem entendido por todos os intervenientes que no Douro e para o Douro trabalham. Só assim se reforçará o seu carácter identitário. Mas, se os que lá se mantêm, ligados ao território, dificilmente o esquecem, já outros longe, reunidos em gabinetes ou em frente a ecrãs de Mac's, parecem desconhecer esse programa e esse poder. Porque de verdadeiro poder simbólico se trata.
Ainda que se tenham verificado nestas últimas décadas mudanças significativas na região do Douro — nomeadamente a expansão dos vinhos Douro e o fervilhar dos chamados Douro Boys — o que é certo é que a região, património do estatuto que transporta, se mantém com o mesmo carácter de tradição. E entendemos "tradição" não como atitude reactiva à modernidade necessária e inevitável, mas antes condição que emana de múltiplos factores culturais. Estabelecendo um paralelismo com o design visual, diríamos que o carácter de tradição do Douro é semelhante ao tipo de letra Trajan (aplicado no título deste blogue). Este tipo clássico, inspirado na inscrição da base da coluna de Trajano (Roma, 113 d.C.), foi desenhado pela americana Carol Twombly em 1989, com tecnologia moderna, para servir em dispositivos actuais.
Se tivermos que resumir hoje, em palavras, as características globais dos vinhos da Região do Douro, facilmente concordaremos com os vocábulos: tradição, carácter, complexidade, elegância. Espera-se que um profissional de comunicação visual estabeleça uma correspondência inteligente entre o verbo/conceito global e a imagem a projectar, atentando depois na especificidade de cada vinho.
Não será pois de estranhar o nosso espanto, ao vermos no mercado, e a preços elevados, incoerências visuais que contrariam frontalmente o que atrás se disse. Numa visita à secção de vinhos de um bom supermercado (El Corte Inglés, Gaia/Porto), em duas alas generosas de prateleiras dedicadas ao Vinho Douro e em duas menores dedicadas ao Porto, verificámos que apenas menos de vinte por cento das garrafas correspondem àquele desígnio simbólico, possuidor de uma qualidade visual exigente. A mediania e a banalidade caracteriza uma faixa bem mais larga. Mas, por último, surge um grupo, penosa e injustificadamente elevado, onde reina a falta de qualidade e rigor informativo, a falta de qualidade gráfica e plástica e uma total ausência de coerência simbólica. Infelizmente, esta falta de atributos não se confina aos vinhos de gama baixa; o problema é transversal e começa também a tomar conta dos Vinhos do Porto (até há bem pouco tempo um oásis visual, sob domínio da tradição britânica, e que numa próxima ocasião tentaremos abordar).
domingo, 29 de novembro de 2009
O contra-rótulo
É pelo contra-rótulo que observamos, com maior pertinência (quando existe, bem entendido), a qualidade do design de imagem de uma garrafa de vinho. No contra-rótulo convivem, em aparente conflito, pragmatismo informativo, regras impostas, sentido estético — tudo em espaço reduzido e "nas traseiras". Informar em quantidade, a vários níveis e de forma criteriosa e bela não é tarefa fácil. Por isso, tantas vezes, os contra-rótulos denunciam fragilidades e incompetências. Aqueles que o fazem irrepreensivelmente e denotam no contra-rótulo a mesma paixão e esmero com que se entregam ao rótulo, à fachada, são de facto os bons profissionais, os que dão garantias de um bom design global.
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O que deve ser um bom rótulo de vinho?
Quantas vezes não surgiu esta pergunta? Vinda de estudantes de design gráfico, de jovens projectistas mas também de quem encomenda rótulos e deles precisa. A resposta nem sempre é convincente e muito menos unânime. Como o design não é uma ciência, para um mesmo problema haverá sempre várias soluções válidas. Sabemos contudo que a ansiedade diminui se a segurança aumentar, e quem está ligado ao ensino sabe-o melhor ainda. São as regras, os métodos, a competência técnica e a cultura geral que contribuem para diminuir essa insegurança.
Assim, e no sentido de procurarmos responder à questão, equacionámos um conjunto de princípios que, em nosso entender, podem servir de orientação para quem projecta, para quem encomenda e para quem "lê".
Um bom rótulo de vinho é aquele que:
1. Informa claramente o que a maioria das pessoas quer saber;
2. Informa, nem sempre claramente, aquilo que nem todas as pessoas querem saber mas que é obrigatório;
3. Contém a informação atrás referida executada com rigor e com coerência formal e conceptual;
4. Contém outros signos visuais, de valor semântico e estético, que ampliam a informação atrás referida;
5. Apresenta materiais adequados e uma qualidade técnica irrepreensível;
6. Apresenta um resultado global que ultrapassa o esperado.
Esta ordenação dificilmente se verificará em absoluto em todos os bons rótulos. Muitos ficarão pelo ponto 5, o que já será excelente. E ao ponto 6 chegarão muito poucos... As ditas "obras de arte", embora recusemos esse estatuto para o género.
Não devendo aspirar a ser uma obra de arte, um rótulo de vinho é um artefacto que cumpre acima de tudo uma função determinada, mas que diz muito de quem o fez e adoptou.
Assim, e no sentido de procurarmos responder à questão, equacionámos um conjunto de princípios que, em nosso entender, podem servir de orientação para quem projecta, para quem encomenda e para quem "lê".
Um bom rótulo de vinho é aquele que:
1. Informa claramente o que a maioria das pessoas quer saber;
2. Informa, nem sempre claramente, aquilo que nem todas as pessoas querem saber mas que é obrigatório;
3. Contém a informação atrás referida executada com rigor e com coerência formal e conceptual;
4. Contém outros signos visuais, de valor semântico e estético, que ampliam a informação atrás referida;
5. Apresenta materiais adequados e uma qualidade técnica irrepreensível;
6. Apresenta um resultado global que ultrapassa o esperado.
Esta ordenação dificilmente se verificará em absoluto em todos os bons rótulos. Muitos ficarão pelo ponto 5, o que já será excelente. E ao ponto 6 chegarão muito poucos... As ditas "obras de arte", embora recusemos esse estatuto para o género.
Não devendo aspirar a ser uma obra de arte, um rótulo de vinho é um artefacto que cumpre acima de tudo uma função determinada, mas que diz muito de quem o fez e adoptou.
terça-feira, 24 de novembro de 2009
Apresentação | Ambição
A ideia para este blogue surge da necessidade de comentar, criticar, aplaudir as imagens que revestem o vinho em Portugal, tendo sempre presente, como se diz no cabeçalho, que o mais importante é mesmo o vinho, embora de design visual se pretenda aqui falar. E é por o vinho ser o mais importante que evitaremos falar dele. A opinião de um amador de vinho (aquele que "apenas" ama), modesto contributo traria... Contudo, sempre que forem convocados, o nosso nariz e boca não irão recusar a ajuda preciosa na aferição do valor visual. Assim, ao falarmos do seu envolvente, do seu exterior, pretendemos contribuir para uma maior credibilidade dos vinhos portugueses, do seu carácter, coerência mas, acima de tudo, pretendemos contribuir para uma cultura de qualidade.
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