quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Letras "espremidas" - Nota breve II

O autor dos rótulos Quinta da Revolta, do produtor Veredas do Douro Sociedade Agrícola Lda, deveria saber que as letras não são uvas e, por isso, não se devem "espremer". Um tipo de letra, qualquer que ele seja, tem uma autoria e deu trabalho a desenhar, a conseguir a sua proporção, a sua identidade. Que outros, por desconhecimento do que isso representa, lhe destruam a matriz, a eficácia e a harmonia — condensando-o ou expandindo-o — é mau e é, quase sempre, um "crime" que não compensa. Se a justificação é a falta de espaço, existem, e aconselham-se, versões condensadas ou expandidas de origem, em vez do recurso a deformações grosseiras.

O tipo de letra Optima, usado no caso que se ilustra, é um dos desenhos de letra mais originais do reconhecido designer tipográfico alemão Hermann Zapf.  Executado nos anos 50, ainda hoje mantém um uso considerável e a preferência de muitos designers gráficos. Sujeito a várias imitações e derivações, este tipo humanístico não serifado (sem patilhas) possui, por isso mesmo, um estatuto de grande originalidade genética.

Casos como este demonstram uma grande falta de cultura, de rigor profissional e nenhum respeito pelo trabalho de um "colega". E vistos por este prisma, revolta!


sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Luxo e lixo visual - Nota breve I

A generalidade dos vinhos sul-africanos que nos chegam surpreende-nos quase sempre pelo seu design gráfico. Acima de tudo pela tipografia clássica bem composta, traduzida numa elegância, equilíbrio e rigor que ultrapassa os nossos melhores exemplares. Mas também pelo recurso ao preto e ao ouro, e à gravura, que marcam e definem claramente um território semântico. O vinho, mesmo o mais económico de uma qualquer região demarcada é, ainda, um produto de valor simbólico elevado. Assim, vinhos de preço acessível tornam-se preciosidades visuais. Sabemos o efeito que isso tem nos consumidores menos especializados e, consequentemente, nas vendas. É abusivo ou anacrónico? Não. Abusivo e anacrónico são vinhos caros ostentando rótulos de autêntico "lixo visual".

Os portugueses — sempre tão afoitos a espreitar o vizinho — ainda não conseguiram implementar uma imagem distinta nos seus vinhos. E nem serão necessárias estratégias de marketing ou estudos sociológicos para justificar a opção. Basta lembrar a frase do famoso carnavalesco brasileiro Joãosinho Trinta: "quem gosta de miséria é intelectual, pobre gosta de luxo."