segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Loucuras bairradinas

Os vinhos da região da Bairrada estão diferentes para melhor. Diz quem sabe que a região tem características de terroir dignas de serem ainda mais valorizadas e promovidas. Os solos argilosos aliados à típica casta Baga trazem carácter único aos seus vinhos. Acontece que em termos de imagem, ainda que encontremos um ou outro exemplo digno de registo, os vinhos da Bairrada seguem o mesmo panorama de qualidade fraca tão típico do resto do país. Se o produtor Luís Pato tem contribuído, em todos os sentidos, para a valorização global dos vinhos das Beiras, o que nos faz agora falar da região são os maus exemplos que por lá proliferam, prejudicando-a, ao ponto de os apelidarmos de autênticas "loucuras".

Atentemos no excêntrico Quinta da Mata Fidalga Tinto 2007 de Augusto Virgílio de Sousa & Filhos, Lda. A garrafa começa por ser desajustada: o seu desenho é o de um frasco de perfume, de um champô, ou de um azeite quando muito. (No Quinta da Mata Fidalga Branco, o conceito de embalagem de perfume ainda se acentua mais, lembra uma água de colónia espanhola). Quer isto dizer que a semântica da forma não nos remete para "vinho tinto da Bairrada". Por sua vez, o rótulo Tinto evidencia uma textura a preto e roxo/magenta de gosto muito duvidoso. A sua colocação inclinada, com o texto composto na vertical, requer seguramente grande trabalho na colagem que não parece compensado em efeito visual. Pretende ser sofisticado — embora não se justifique num vinho de custo médio de oito euros — mas o resultado global é de mau gosto, diríamos mesmo, piroso! Decerto agradará a algumas pessoas, mas quem valoriza o design ou tem preocupações estéticas, jamais o servirá num jantar... Quando muito terá que ir decantado para a mesa. Ora, quando isto se constata, é porque estamos na presença de uma má solução de design.

O design de uma embalagem nunca substitui a qualidade de um produto (ou a falta dela); mas quando o design exclui em vez de convocar e estabelecer empatia, então estamos na presença não só de uma má solução de design como de um erro grave de comunicação e, claro, de má estratégia comercial.




segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Concursos

Todos os concursos onde o gosto popular é lei são pobres culturalmente e, por conseguinte, servirão para muito pouco. A inutilidade deste tipo de eleições tem ainda a agravante de se tornarem pedagogicamente perigosas. Mostram ao público maus exemplos, enquadrados em ambientes enganosos de qualidade.

A última edição da revista Divinum, (revista quadrimestral sobre vinhos, da responsabilidade da Hdem Lda e que tem distribuição gratuita com o jornal Público) dá conta de um concurso de rótulos de vinhos, pomposamente apelidado de Wine Design. Antes de mais temos de apontar a incorrecção do título, já que não se trata de um concurso de Design: não se apura a qualidade do design do vinho (uma boa tradução de "wine design" seria "desenho, construção do vinho") nem se apura a qualidade do design da sua embalagem. O concurso propõe apenas uma votação popular, via internet, www.revistadivinum.com, num conjunto de rótulos submetidos à referida eleição. Assim, a única designação credível que o concurso deveria ostentar seria "O rótulo/imagem do vinho mais popular". Não se pode aferir a qualidade do design se, no mínimo, não se constituir um painel de jurados integrado maioritariamente por especialistas em design. Se equacionarmos que mais de 80% dos rótulos são tipografia; que dispomos hoje de milhares de tipos de letra; e que a grande maioria do público pouco mais decifra nas letras do que as palavras que estas representam... Que tipo de julgamento farão? Imagine-se, por analogia, um concurso de premiação de vinhos onde fosse o público a dar o veredicto final em vez de um painel de provadores. 
Não está em causa a importância do gosto e a aceitação popular do design, mas essa aferição tem muito pouco a ver com critérios de excelência. Não é por acaso que os dois rótulos mais votados da terceira fase (Xara 2007 Reserva e Cabeça de Toiro Reserva 2005) são banalidades gráficas com opções tipográficas, nos títulos, muito duvidosas.

A responsabilidade sobre a determinação da qualidade em cada ofício deve ser atribuída a quem sabe. Não porque se trate de preservar o controlo corporativo, mas porque os saberes (neste caso os da comunicação visual e da estética) são cada vez mais complexos e com maior especialização. Senão para que serve o investimento do Estado em escolas superiores de design? 


domingo, 10 de janeiro de 2010

Modernidade

A condição "moderna" torna-se difícil de abordar sob uma perspectiva crítica mais profunda mas é facilmente compreendida se falarmos da imagem do vinho em Portugal. A contradição aparente entre inovação, carácter e tradição cultural, algumas vezes aqui evocados a propósito da má imagem gráfica dos vinhos portugueses, encontra sentido nas palavras de Yvette Centeno: "não há inovação sem tradição, como não há cultura sem memória". Ser moderno não é estar de acordo com a moda nem importar modelos. É antes sermos capazes de actualizar sem recorrer a esses modelos. Actualizar é trabalharmos com o pensamento e os argumentos, as técnicas e os dispositivos do nosso tempo e da nossa cultura. Mas para actualizarmos a nossa cultura será necessário descobri-la e conhecê-la. Ser moderno é, sobretudo, sabermos absorver essa informação de forma crítica e criativa e operarmos mudança — a mudança é, pois, o pressuposto de toda a condição moderna.

Vem isto a propósito de um presente natalício que recebemos de um amigo: uma garrafa de Miura 2007, Douro Tinto, da Quinta de Tourais. A imagem genérica dos vinhos Quinta de Tourais propõe uma comunicação moderna e expressiva. (Mais tarde abordaremos o Tourónio Tinto, já premiado visualmente.) Vinhos de qualidade, de pequena produção, da região da Régua — e aqui no Miura em parceria com um grupo de amigos associados — que apostam com o mesmo entusiasmo na sua imagem visual. (Estamos em crer que a mudança pode estar nos pequenos produtores. Sem as pesadas estratégias de marketing por trás, muitas vezes longe de provarem a sua validade, os pequenos produtores podem constituir-se como exemplo de futuro; mais facilmente investindo em bom design, ousando e desafiando.)


O exemplo do Miura Tinto 2007 mostra como o caminho pela contemporaneidade da imagem dos vinhos em Portugal pode evoluir sem perda de carácter. Alia a técnica antiga da serigrafia (impressão a branco sobre o vidro) com a expressão gráfica de síntese (icónica e tipográfica) e o discurso simbólico (remetendo não para a representação mas para a interpretação, que está para lá das formas). Tecnicamente irrepreensível na sua execução (não nos apercebemos de qualquer união na imagem envolvente), o resultado é um belo e intrigante entrelaçado, libertando toda a informação textual para a parte de trás da garrafa. (Apenas o reparo para a vastidão de espaço ocupado pela composição do texto. O conceito de síntese pedia maior contenção).


O Miura 2007, enquanto imagem global, é enigmático e apelativo, é elegante e complexo, absorve a tradição e reconstrói-a, informa correctamente e amplia sentidos...  Em suma, traz novos valores à nossa cultura.