A representação naturalista nas artes revela-se hoje como uma atitude muito pouco crítica e inventiva, nada consentânea com o nosso tempo; mas despida (pelada) de erudição, qualquer estilização plástica torna-se num mamarracho. Exemplos destes abundam hoje nas nossas rotundas, geralmente iniciativa de autarcas dinâmicos mas muito pouco cultos. (E sabemos bem as consequências da aliança entre o dinamismo e a ignorância). Custa a entender porque é que a beleza de uma árvore não pode, na maioria das vezes, "decorar a nudez" de uma rotunda em vez do irritante mamarracho escultórico. A Natureza apresenta, por si só, a beleza intrínseca de o ser (daí evocarmos amiúde o conceito de beleza natural). Em contrapartida, a estilização pode ser entendida como a incapacidade humana de igualar a Natureza, ou a tentativa de se sobrepor à sua ordem. No que toca ao design, Charles Eames referia mesmo, numa recomendável entrevista em 1972, que os estilos em design são mais o resultado de uma fragilidade humana do que um ideal.
O vinho Pelada Dão 2003, de Álvaro Castro, apresenta um rótulo atrevido, exótico... Mas mau. É atrevido porque conjuga a ambiguidade do nome da quinta com a nudez e porque a nudez é, ainda na nossa cultura, motivo de inquietação moral (Maria João de Almeida também o referiu numa crónica no seu portal). O rótulo é formalmente exótico porque pretende ser diferente ao repartir-se por três elementos, embora nada justifique essa complexidade. A expressão gráfica do título do vinho é débil, composto num tipo de letra digital que pretende imitar a caligrafia (nunca é a mesma coisa!) e na vertical, dificultando a leitura. A ilustração é artisticamente medíocre e desagradável: estilização de um corpo feminino executada por alguém que pensa que tem jeito. Braço e perna ligados, entrelaçados e unidos a uma bordadura através de um mau desenho manual/digital sem elegância, expressão e sentido anatómico. Tudo isto impresso num papel desajustado, canelado (em jeito de economato de prestígio), pouco recomendado para uma ilustração.
Por hoje se crer em demasia que todo o atrevimento, irreverência e exotismo se justificam, vemos surgir tão maus resultados de imagem de vinhos onde menos se esperaria. É o caso deste vinho de qualidade, oriundo de um produtor de grande prestígio e confiança. O rótulo Pelada Dão 2003, não estando à altura do seu vinho, em vez de o vestir com dignidade e, porque não, também, com sedução erótica, desnuda-o definitivamente. E um corpo assim, pelado, torna-se muito pouco atraente.
quinta-feira, 23 de dezembro de 2010
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